Indignação e revolta. São os sentimentos dos moradores de Aracati com o caos instalado no Judiciário local – há de um ano, a Comarca não tem juízes titulares, mais de seis mil processos aguardando despacho e 90% dos servidores que trabalham no Fórum são cedidos pela Prefeitura. Diante dessa realidade preocupante, centenas de pessoas assinaram o documento “Aracati exige Justiça” a ser encaminhado pela Diretoria da Secional Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE), José Arízio Lopes da Costa. O problema, na avaliação do presidente da OAB-CE, Valdetário Andrade Monteiro, é que o Judiciário deixou de ser entidade de prestação jurisdicional para ser uma bomba relógio.

 

O abaixo assinado foi entregue ao presidente da Secional pela presidente da Subseção de Aracati, Leandra Olinda, durante audiência pública realizada na noite dessa sexta-feira, 20/04, no centenário prédio da Câmara de Vereadores daquele Município, com a presença de advogados e advogadas, professores universitários, estudantes de curso de Direito, vereadores de Aracati e de Itaiçaba, dirigentes de entidades de classe da região, além do presidente da Subseção da Ordem de Limoeiro do Norte, Gledson Ramon; do coordenador do Movimento Justiça Já, conselheiro Edimir Martins; do conselheiro federal da OAB, Jardson Cruz, do conselheiro estadual Kennedy Ferreira, do tesoureiro da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará (Caace), Renan Viana; e do presidente da Comissão de Direito Ambiental, Paulo Albuquerque.

 

Durante o ato cívico em protesto ao que o vereador Tácido Forte classificou “de Justiça selvagem pela inoperância daqueles que deveriam resguardar a população pelas leis”, o conselheiro Edimir Martins sugeriu a realização da “Marcha pela Justiça” como forma de pressionar o Judiciário cearense a garantir a boa prestação jurisdicional. “O Ceará tem 184 municípios, dos quais 70 estão sem juízes titulares. Daqui a pouco metade do Estado ficará sem justiça e não podemos ficar parados diante dessa realidade”, alertou o coordenador do Movimento Justiça Já, defendendo a mobilização popular como única forma de minorar o caos na Justiça Comum do Ceará.

 

A proposta foi prontamente aceita pelos presentes, que prometem levar centenas de pessoas ao Fórum Clóvis Beviláqua para exigir do Tribunal de Justiça uma solução rápida e definitiva para a falta de magistrados, de servidores concursados e de estrutura.

 

Por quase três horas, os presentes se revezavam em discursos inflamados e cobranças pela ausência da prestação jurisdicional no município. O vereador Tácido Forte, autor do requerimento para a realização da audiência pública, denunciou a ausência da maioria dos legisladores locais e de representantes do Executivo e Judiciário ao evento. O que para ele é injustificado uma vez que toda a sociedade local sofre com falta de juízes titulares nas três Varas e com o acúmulo de processos.

 

Para se ter uma ideia da situação basta analisar os dados: o Juizado Especial tem 2.521 processos aguardando julgamento, enquanto a 1 Vara está com 1.286 processos acumulados e apenas 231 despachos foram realizados em fevereiro deste ano.  Na 2 Vara, os números são alarmantes –3.530 processos e 229 despachos no mês de fevereiro. Já na 3 Vara são 443 processos e apenas quatro despachos naquele mês.

 

Essa situação não pode continuar em Aracati e nas outras Comarcas, alerta Valdetário Andrade Monteiro, que vem há dois anos de quatro meses iniciou numa cruzada contra a morosidade do Judiciário e por uma Justiça mais célere. Na audiência pública, ressaltou que a advocacia do Interior vale tanto quanto da Capital e deve receber o mesmo tratamento da Justiça. “É preciso que o Judiciário entenda que somos iguais”, ressalta o presidente da OAB-CE, conclamando a sociedade a se engajar no movimento da Ordem em defesa da Justiça. “Não podemos nos contentar com essa situação e não nos acovardamos diante dela”.

 

Tácido Forte denuncia que as audiências no Fórum de Aracati são “vapti-vupti”, ou seja, duram apenas o tempo necessário para o cumprimento das meras formalidades de assinaturas de papéis. “O certo é que os juízes de hoje não conhecem a cidade onde atuam. Não sabem as características do povo que está sob sua jurisdição, muito menos onde as periferias são habitadas”.  Nessa mesma periferia reina a impunidade, segunda uma moradora de Aracati, que, em pronunciamento emocionado, denunciou que nos bairros pobres da cidade, os seus moradores já perderam a dignidade. “Na periferia, a impunidade não é sensação, é a lei”.

 

Diante desse estado, o advogado Egídio Barreto defendeu a responsabilização do Governo pela inoperância do Judiciário. “É preciso colocar no banco dos réus o governo brasileiro e, em especial, o do Ceará”, disse, criticando a postura da Justiça Comum em Aracati. “É uma vergonha o que o Tribunal de Justiça faz com Aracati, com a região. É inconcebível um juiz responder por sete comarcas”.