Por Vanilo de Carvalho*

Ultimamente, temos visto de forma lastimosa manifestações de explícito racismo no futebol nacional e internacional. O racismo por si só é abominável sob qualquer ótica. Todavia, quando presenciamos esta prática de forma a demonstrar uma total falta de constrangimento, pública, a situação torna-se, se é que isso é possível, pior.

Um estádio de futebol é um lugar por excelência de diversão, de congraçamento, de festa. Um lugar onde se busca, coletivamente, o distanciamento das durezas do dia-a-dia. Onde ocorre uma liberdade às exigências do mundo do trabalho e das obrigações que o difícil cotidiano urbano impõe.

Recentemente, o volante Tinga, do Cruzeiro, e o árbitro Márcio Chagas, foram vítimas de insultos racistas o que mais uma vez indignou a sociedade e a grande maioria dos torcedores. Por outro lado, as manifestações racistas que ocorreram nos campos de futebol revelam que o Brasil ainda encontra-se longe de eliminar de vez a prática racista, o antes chamado de racismo velado, e, agora, desmascarada democracia racial brasileira.

Que impressionante o que acontece com o Brasil! Os nossos grandes ídolos do futebol, em sua maioria são negros. Desde Leônidas até o Rei Pelé! Que contradição: nos primeiros tempos do futebol brasileiro, o jogador era considerado uma pessoa menos qualificada na escala social brasileira. Geralmente era negro ou mestiço, de origem simples e de pouca escolaridade. Contudo, este mesmo grupo de pessoas antes discriminada pela “boa sociedade” era quem tinha o maior poder de lançar o apático Brasil nas manchetes internacionais de forma positiva.

O racismo manifesto hoje nos estádios de futebol é o mesmo que é sentido pelos negros, que são vítimas, todos os dias, de olhares de indiferença e de desconfiança, de salários menores, de piadas jocosas e de uma pressão gigantesca de ter que provar, mais do que qualquer outro cidadão, que são bons e honestos profissionais.

Para quem sofre o preconceito não existe nada velado. A dor e a humilhação é ferimento exposto. É sangue que corre e morte nos seus mais variados sentidos. Lato sensu, quem é diminuído nas manifestações de racismo é toda a sociedade, que foge ao puro conceito de civilização.

A manifestação racista atinge não só aos negros, mas a todos aqueles que são discriminados: pobres, mulheres, nordestinos, homossexuais, portadores de necessidades especiais e todo o conjunto de pessoas irmanadas pela resoluta vontade de lutar para a construção de uma sociedade fraterna e destituída de valores que muitas vezes mancharam a história, escrevendo páginas de sangue, como os capítulos destinados ao Holocasto, a segregação legal racial americana e a triste realidade da mulher em grande parte do mundo árabe.

Neste ano de Copa do Mundo no Brasil, tempos recentes marcados por uma violência urbana que parece não ter fim, devemos aproveitar a grande oportunidade para dizermos um ‘não’ à violência em todos os sentidos: desde a corrupção aos crimes violentos. E racismo é crime violento, hediondo.

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNBB) divulgou mensagem na qual pede um combate eficaz ao racismo durante a Copa do Mundo. Segue parte do texto: “O sucesso da Copa do Mundo não se medirá pelos valores que injetará na economia local ou pelos lucros que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo, de pessoas socialmente vulneráveis. E se combater eficazmente o racismo e a violência”. Esperamos que a Copa do Mundo nos traga, pelo menos, um legado de esperança.

*Vanilo de Carvalho é diretor executivo da Fundação Escola Superior de Advocacia do Estado do Ceará (Fesac), advogado, professor universitário, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Negócios Internacionais.