por Vanilo de Carvalho*

Do muito que se tem falado sobre o covarde e indefensável atentado ao jornal humorístico francês Charlie Hebdo, chamaram minha atenção algumas opiniões tentando relativizar o episódio terrorista a partir da desqualificação ou mesmo condenação da linha editorial do periódico. Ofensas dirigidas a diversas religiões, questionamento escrachado de dogmas sacros, olhares preconceituosos sobre hábitos e costumes que fogem aos padrões ocidentais foram usados para tentar impor limites à liberdade de expressão.

Em tempo: estas discussões devem ocorrer, mas explorando à exaustão todas as possibilidades de uma fraterna convivência. É bom lembrar quer foram ceifadas doze vidas. Não à toa, o próprio papa Francisco foi um dos primeiros a indignar-se com o ato, mesmo com a Igreja Católica – e a própria autoridade papal – tendo sido ridicularizada em vários cartuns. O bispo de Roma exprimiu a sua “mais firme condenação” ao “horrível atentado” contra o semanário satírico. O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, revelou que o pontífice exortou todos a se oporem “com todos os meios à disseminação do ódio e qualquer forma de violência, física e moral, que destrói a vida humana”.

A posição do papa é condizente com a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, de sua autoria. Em vários momentos do texto, Francisco chama para o diálogo, lembrando que “todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria”.

O documento papal quer reforçar que a alegria do Evangelho se realiza no exercício da misericórdia, ou seja, na tarefa de nos colocar no lugar do outro. “O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos”, expõe. Francisco cita Santo Agostinho, que lembra que Jesus deixou pouquíssimos preceitos e aconselhou que as regras estabelecidas pela Igreja devem ser exigidas com moderação, “para não tornar pesada a vida aos fiéis” nem transformar a religião numa escravidão.

Ora, se uma das próprias “vítimas” do humor cáustico do Charlie Hebdo é um dos primeiros a prestar solidariedade à tragédia, quem são estes que querem condená-los ou justificar este ato de barbárie? É bom lembrar que a vida humana não é um valor em debate. E que um julgamento deste quilate parte de um princípio desigual, como se alguns mortos tivessem menos valor que outros. Isso é tão ou mais preocupante que se arvorar de ser Deus e cometer despropósitos em Seu nome.

(*) Vanilo de Carvalho é diretor-executivo da Escola Superior de Advocacia (ESA).

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).