por Larissa Valéria Nobre Othon Sidou*

Por força do que estabelece o art. 2º., do Código Civil Brasileiro, o nascimento com vida da pessoa natural é o marco inicial de sua personalidade jurídica, ou seja, o momento em que esta passa a ser titular de direitos e deveres na ordem jurídica civil. No mesmo dispositivo, a Lei Civil ressalva, ainda, a proteção dos direitos do nascituro, assim compreendido o ser humano já concebido, porém ainda não nascido.

A proteção ao nascituro baseia-se nos direitos e garantias fundamentais, previstos em nossa Constituição Federal, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar-lhe, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além dos demais direitos inerentes à personalidade humana, afastando-lhe de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Projeto de Lei n. 478/2007, denominado “Estatuto do Nascituro”, o qual já sofreu algumas modificações em sua redação original, busca regulamentar os direitos do ser em gestação, já previstos e garantidos de forma ampla no âmbito Constitucional, Civil e Penal, abordando de forma mais específica várias questões importantes, dentre elas a vedação à prática de qualquer dano ao nascituro em razão de ato delituoso cometido por quaisquer de seus genitores ou mesmo por terceiros.

Com efeito, independentemente da visão religiosa e moral que se tenha sobre o tema “aborto”, vivemos em um Estado laico, assim compreendido aquele que, através dos preceitos Constitucionais, garante a imparcialidade Estatal em assuntos religiosos (não prevendo a existência de uma religião oficial e banindo a discriminação da pessoa por motivos religiosos), e que, em contrapartida, sustenta a não interferência de preferências religiosas no que se refere a assuntos sociais, políticos, econômicos e culturais, razão pela qual muitos fazem acirradas críticas ao texto do mencionado “Estatuto”, alegando que este representaria a visão de uma maioria religiosa, que estaria, então, impondo seus dogmas de credo perante todos os demais membros da sociedade brasileira.

O fato é que é inegável a influência de questões pessoais, notadamente as de cunho religioso dos parlamentares, nas atuações Estatais, já que estas refletem a maneira de pensar daqueles, em sua maioria cristãos –  católicos ou protestantes. Todavia, é necessário que se faça lembrar, esses mesmos parlamentares foram eleitos pelo povo, para legislar não em vista de seus interesses pessoais ou dos grupos que representam, mas no interesse social.

Ademais, apesar de ser grande a fragilidade dos dados relativos à prática do aborto no Brasil, seja no que se refere à população atingida, seja em relação à quantidade de intervenções realizadas ou métodos utilizados, seja ainda no que se refere aos óbitos maternos deles decorrentes (uma vez que sua prática, além de ser tipificada como crime, leva em consideração basicamente os dados oriundos da rede pública de saúde, sendo que boa parte dos abortos clandestinos realizados no Brasil ocorre em clínicas particulares e em casas de periferia, não aparecendo nas estatísticas), pesquisa realizada pela agência Ibope Inteligência, e veiculada pela Universidade de Brasília (UnB), constatou que a religião parece não ter influência na decisão sobre a prática do aborto. De acordo com a pesquisa, 65% das mulheres que abortaram se disseram católicas e, outros 25%, protestantes (fonte: www.unb.br/noticias/unbagencia).

Assim, independentemente de nossas convicções morais, políticas e, claro, religiosas, constata-se ser necessária e urgente a regulamentação da proteção do direito à vida do nascituro, todavia sem esquecer que a Constituição Federal objetiva não apenas a proteção pura e simples do direito de nascer mas, de forma muito mais ampla, busca a consagração ao nascido com vida de gozar de políticas públicas que lhe assegurem o direito à vida digna, com saúde e alimentação adequada, longe das ruas, do ócio, dos guetos e das drogas, da sujeira e da doença, proporcionando-lhe condições de viver e de crescer física, emocional, educacional, social e financeiramente.

Tais políticas, é importante que se diga, nascem da regulamentação de temas capitais, tais como o aborto, mas a ele não se resumem, já que tudo passa pela conscientização da sociedade sobre a necessidade da adoção de mecanismos sérios de controle e prevenção da gravidez, de incentivo à maternidade/paternidade responsável, de acesso aos serviços de saúde seguros, dentre outros, conferindo ao nascituro muito além do direito à vida, mas, principalmente, a possibilidade real de gozar de uma existência digna, nos parâmetros estabelecidos por nossa Carta Magna.

(*) Larissa Valéria Nobre Othon Sidou é graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual do Ceará; professora dos Cursos de Direito do Centro Universitário Estácio do Ceará e da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza e Advogada.

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).