*José Navarro

O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal 8.906/94), sofreu significativas alterações com o advento da Lei 13.245/2016, que terão reflexos tanto na atividade profissional do advogado criminalista, como no dia-a-dia das autoridades policiais e administrativas encarregadas da apuração de infrações.

Ao longo de 12 anos compondo a Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados e, mais recentemente, a partir de 2010, no Centro de Apoio e Defesa do Advogado da OAB/CE, constatamos inúmeras situações em que a atividade profissional do advogado foi dificultada, seja com relação ao acesso ao Inquérito Policial, seja em relação ao acompanhamento de interrogatório e depoimento, ou ainda, em processos administrativos nos vários órgãos de apuração deste tipo de infrações.

A novel legislação, em nosso entendimento, avança significativamente corrigindo estas situações e fortalecendo de um lado as prerrogativas dos advogados, e de outro as garantias constitucionais do cidadão por eles assistidos.

Com o objetivo de contribuir para o debate que se inicia sobre o tema, estes apontamentos objetivam fazer uma análise, ainda que singela, dos dispositivos alterados.

VISTAS DOS AUTOS – Inciso XIV

O inciso XIV do artigo 7º da Lei Federal 8.906/94 foi significativamente alterado com a nova lei, ampliando as prerrogativas dos advogados.

O texto anterior se referia ao direito de o advogado examinar autos de flagrante e de inquérito em qualquer repartição policial. A nova redação traz uma maior abrangência, se referindo ao exame de autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação.

Abrange-se, portanto, a investigação criminal ou administrativa, compreendendo processo administrativo disciplinar, inquérito civil público, inquérito policial ou parlamentar, ação penal, em qualquer instituição responsável por conduzi-las, como as Delegacias, Corregedorias, Controladorias, Ministério Público, Procuradorias, Órgãos investigativos da Administração Pública Direta ou Indireta, Órgãos do Poder Legislativo, Tribunal de Ética da OAB, enfim, todas as instituições onde tramitem algum tipo de investigação, onde o advogado poderá examinar os respectivos autos.

Este direito não pode ser restringido sob o argumento de que os autos estão conclusos. O fato de a investigação não estar eventualmente disponível no respectivo cartório não pode ser utilizado como fator impeditivo para o acesso do advogado à investigação. Também, não se pode submeter o acesso a um prévio requerimento do advogado a ser apreciado pela autoridade responsável pela investigação. O direito consignado na norma independe de prévia autorização, devendo ser prontamente disponibilizado os autos solicitados pelo advogado.

A possibilidade de copiar peças e tomar apontamentos, já constante na redação anterior, pode se materializar por meio físico, através de cópias reprográficas, ou digital, utilizando-se de câmaras fotográficas, celulares, ou scanners portáteis.

O direito de exame acima analisado, é garantido ainda que o advogado não possua procuração de seu cliente. É normal, que antes de aceitar o patrocínio da causa o advogado analise os autos para verificar a complexidade do caso, o que influenciará diretamente nos termos do contrato. Contudo, este direito não é absoluto, na medida em que a Lei 13.245/2016 incluiu o § 10 ao artigo 7º da Lei 8.906/94, que restringe o acesso nos casos em que os autos estejam sujeitos a sigilo, ocasião em que o advogado deverá apresentar procuração para que possa examina-los.

Outra limitação do acesso à investigação foi acrescentada através da inclusão do §11 ao artigo 7º da Lei 8.906/94. Diz o mencionado dispositivo que a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. Neste caso, a eficácia da medida investigatória depende do sigilo para sua realização e a comunicação prévia pode compromete-las seriamente. É o que ocorre, por exemplo, com medidas de busca e apreensão ou de escuta telefônica.

Para garantir a efetividade destas prerrogativas, foi incluído o § 12 que traz uma possibilidade de punição à autoridade que descumprir o direito previsto no inciso XIV. Caso forneça os autos de maneira incompleta ou retire peças já incluídas no caderno investigativo, a autoridade responsável será responsabilizada criminal e funcionalmente por abuso de autoridade.

PRESENÇA DO ADVOGADO NA FASE INVESTIGATIVA

Sem dúvida o ponto mais polêmico da nova Lei é a inclusão do inciso XXI ao artigo 7º da Lei 8.906/94. Assim está redigido o novo dispositivo:

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

 

  • Apresentar razões e quesitos; 

 

Não são raras as análises no sentido de que a Lei 13.245/2016 teria tornado obrigatória a presença de advogado ou defensor público na fase investigativa, e que sua ausência causaria a nulidade absoluta.

Na verdade, a redação do inciso XXI consigna o direito do advogado em assistir seus clientes. Não fala que seja obrigatória a presença do advogado na fase investigativa.

O direito consubstanciado no inciso é de o advogado assistir seu cliente durante a apuração, compreendendo interrogatório ou depoimento, e todos os atos subsequentes deles derivados, direta ou indiretamente. Qualquer impedimento por parte da autoridade investigadora quanto à participação do advogado, seja no acompanhamento do cliente, das testemunhas, dos condutores, ou quaisquer outros atos posteriores, gerará a aludida nulidade absoluta.

Ou seja, o advogado poderá acompanhar todos os atos do inquérito ou da investigação, devendo para tanto ser deles intimados pela autoridade investigadora, sob pena de nulidade absoluta. A intimação pode se dar, inclusive, através de endereço eletrônico. Para tanto, a autoridade poderá consignar no respectivo termo que o advogado aceita receber as intimações através do e-mail que fornecerá no ato. Se o advogado não for intimado, os respectivos atos serão nulos. Contudo, se devidamente intimado o advogado não comparecer, não haverá qualquer nulidade. Não é portanto, a ausência do advogado no ato que o tornará nulo, e sim a ausência de intimação acerca de sua realização.

Imaginar que toda investigação teria a presença obrigatória de defensor ou advogado, seria inviabilizar, por exemplo, a lavratura de flagrantes em plantões policiais, onde se teria que aguardar que o acusado constituísse um advogado ou que se nomeie um defensor para só então dar prosseguimento ao ato.

Um aspecto importante da mudança trazida pela nova Lei diz respeito à natureza das investigações. Percebe-se que a estrutura essencialmente inquisitorial até então predominante, cede espaço a uma investigação de caráter defensivo, onde os investigados passam a ter uma maior participação, através da atuação do advogado.

Neste sentido, incluiu-se a alínea “a” ao inciso XXI que garante ao advogado a apresentação de razões e quesitos no decorrer da investigação, propiciando ao acusado uma maior influência na colheita das provas.

Evidentemente, a investigação em geral, e o inquérito policial em especial, não perderam a sua natureza inquisitiva, uma vez que, embora o caráter defensivo se sobressaia, não existe propriamente o contraditório na fase investigativa. Mas, com a nova lei, avançou-se significativamente para uma maior garantia dos direitos fundamentais do acusado.

Em conclusão, consideramos que a Lei 13.245/2016 veio em boa hora reforçar a importância do advogado nas investigações de infrações criminais e administrativas, passando a influenciar concretamente na sua condução. O advogado valorizado é a garantia de maior proteção ao cidadão contra eventuais arbitrariedades do Estado.

*José Navarro
Coordenador do Centro de Apoio ao e Defesa do Advogado da OAB-CE