Há meses o cenário político brasileiro assemelha-se a um seriado televisivo, permeado por redes de intriga, revelações bombásticas e reviravoltas. Os eventos sucedem-se em ritmo acelerado e, até a publicação deste texto, talvez o tema aqui tratado já tenha sido devorado por outro escândalo. Contudo, por guardar relação com garantias individuais perenes, não deve ser negligenciado.

Trata-se da divulgação de gravações de conversas havidas entre o ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras para transporte e logística de combustível) Sérgio Machado e caciques políticos da envergadura de Renan Calheiros, José Sarney e Romero Jucá, todos vinculados ao governo federal interino.

Os diálogos gravados por Sérgio Machado – sem a ciência nem a anuência de seus interlocutores, naturalmente – demonstram a articulação entre os políticos no contexto da Operação Lava Jato e do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Não demonstram exatamente um plano infalível para o desbaratamento de toda a faxina política que vem sendo promovida, mas serviram de combustível para que os petistas minassem a já contestada legitimidade do governo Temer.

A despeito do teor de tais colóquios, cabe indagar: não seria ilícita a prova obtida a partir desse tipo de gravação ambiental, em que interlocutores, confiando na privacidade do momento, jogam suas cartas na mesa?

Considerando que tais gravações se deram paralelamente aos ajustes de sua delação premiada, resta claro que os interlocutores de Machado, sem saber, produziram provas contra si, induzidos que foram a abrir o coração na intimidade de uma conversa privada.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela legalidade de gravações ambientais (quando alguém capta o áudio de uma conversa sua sem que o interlocutor saiba), mas em condições excepcionalíssimas, sob pena de se abolir o direito à privacidade, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Depois de devassadas e amplamente divulgadas, podemos condenar as intenções daqueles que mais deveriam zelar pela moralidade, mas não devemos permitir que se torne comum que alguém, no afã de obter vantagens processuais, induza, de forma ardilosa, pessoas próximas a produzirem provas contra si.

Podemos dizer que nunca iremos cometer crimes como os dos envolvidos na Operação Lava Jato, mas não podemos garantir que nunca seremos acusados de um. Se isso ocorrer, não gostaríamos de passar por uma lógica de persecução criminal que admite provas ilícitas. Um complexo cenário de debates jurídicos advirão desse episódio. Anotem.

Leandro Vasques
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Advogado criminalista, Mestre em Direito (UFPE) e Conselheiro da Escola Nacional da Advocacia (ENA)