No último dia 5 de outubro, aniversário da nossa Constituição Federal, a maioria apertada de seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu dar-lhe um verdadeiro presente de grego: fulminando a literalidade do artigo 5º, inciso LVII, decidiu pela possibilidade do início de cumprimento da pena antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória confirmada em 2ª instância, isso é, ainda na pendência de recursos aos tribunais superiores.

O Conselheiro Federal da OAB e o Partido Ecológico Nacional (PEN) haviam ingressado com Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 43 e 44), pleiteando que fosse reconhecida a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que, de acordo com a Constituição, prevê claramente a impossibilidade de início de cumprimento da pena na pendência de recursos. Embora a Constituição seja passível de reinterpretações ao longo do tempo, essas não podem extrapolar ou violar algo que o texto da norma traz como absolutamente evidente: que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ora, como permitir que alguém comece a cumprir pena e, ao mesmo tempo, não seja considerado culpado? Não faz sentido. Não estamos falando que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado da condenação. Para isso existe a prisão preventiva, por exemplo.

O que o STF fez foi expressão extremamente perniciosa do ativismo judicial, ao tomar para si a responsabilidade do Poder Legislativo, que deveria modificar a legislação de modo a simplificar o labirinto de recursos, que os ministros utilizaram como argumento para autorizar, maquiavelicamente, o início do cumprimento da pena nas masmorras penitenciárias brasileiras, ainda com a possibilidade de o indivíduo ter sua situação revista por um tribunal.

O Supremo está “julgando pra plateia” e a incauta plateia, desinformada, acha que a impunidade será enfrentada com a relativização da Constituição, quando na verdade bastariam reformar as leis infraconstitucionais para reduzirem os números de recurso. Lembremos que a luz ilumina, mas em excesso faz cegar e esse excesso interpretativo dos seis ministros do Supremo custará muito caro à nossa jovem republiqueta. Veja, sendo o STF a corte responsável justamente por velar pela vigência dos comandos de índole e dignidade constitucional é decepcionante assistir a esse descalabro. Diante desse dantesco cenário, espera-se, pois, que nossa gloriosa OAB Federal acione a Corte Interamericana de Direitos Humanos denunciando o espancamento de nossa Carta Magna pela própria Corte que tem a indeclinável missão de preservá-la.

Leandro Vasques
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Advogado Criminal, Mestre em Direito pela UFPE e Presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública