Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizado em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o segundo painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:

Painel 2: Os ataques à garantia do direito de defesa

As garantias do Direito Constitucional de Defesa foram o tema do Painel 2 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, realizado nesta segunda-feira (27), em São Paulo. O painel foi presidido por Fernando Santana Rocha, teve como relator Charles Sales Bordalo e como secretário José Maurício Vasconcelos Coqueiro.

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, fez uma breve fala durante os debates e destacou a importância fundamental do direito de defesa. “Precisamos combater os malfeitos, mas isso deve ser feito sempre nos termos da lei, com respeito à Constituição Federal e com direito a ampla defesa, isto é fundamental”, disse Lamachia.

Na abertura, Juliano Breda, conselheiro federal da OAB, falou sobre o “Direito à Prova e Prova Ilícita”. “Hoje, esse assunto está ligado à garantia de qualquer sistema democrático e evoluiu muito nas últimas décadas”, afirmou Breda, que fez um apanhado histórico do tema, desde a Segunda Guerra Mundial à reforma constitucional que deu origem à Operação Mãos Limpas, na Itália.

Segundo o advogado, no Brasil, a Constituição de 1988 não previa autorização para a realização de grampos telefônicos, mas depois passou a haver um “movimento pendular” da jurisprudência que se reflete no limite do uso da interceptação telefônica.

“Devemos destacar a grave violação do direito à defesa. A Lei 11.767 estabeleceu como direito do advogado a inviolabilidade de seu escritório e de seus objetos, mas há registros diários de violações. A relação dos advogados com seus clientes deve ser protegida”, advertiu.

Breda abordou ainda os problemas relativos às escutas ambientais e apontou que a limitação do direito constitucional só pode ser feita de maneira clara. “O STF terá que se posicionar sobre provas obtidas com escutas ambientais. Há que se defender o direito à privacidade contra provas ilicitamente obtidas”, disse.

Defesa da defesa

Já o advogado Philippe-Henri Dutheil, presidente da Comissão Permanente de Assuntos Europeus e Internacionais do Conselho Nacional das Ordens dos Advogados da França, abordou o tema “Defesa da Defesa”. Segundo ele, embora a França tenha se notabilizado como bastião da democracia, a onda de atentados terroristas tem feito com que haja ameaças às garantias do direito de defesa.

“A globalização faz com que nos enfrentemos com ameaças de intimidação e perseguição a advogados por parte de governos, indústrias e o próprio crime organizado”, afirmou Dutheil.

Como prova da gravidade do problema e da importância da organização que preside, ele fez um breve relato de ataques ocorridos em países como Turquia, China, Rússia, Afeganistão e Malásia, entre outros. “Em Cabul (Afeganistão), o Taleban invade tribunais de armas em punho e sequestra advogadas. Na Malásia, há casos de advogados presos por defender homossexuais. Na China, nossos colegas são presos com suas famílias e depois assassinados”, relatou.

O tema “Interceptações Telefônicas e Telemáticas e Sigilo das Comunicações do Advogado” foi apresentado por Andrei Zenkner Schmidt. O advogado classificou o assunto como um “problema contemporâneo”. “Um dos meios de obter provas é a interceptação telefônica. E estamos falando de garantias individuais asseguradas pela Constituição”, disse ele, apontando como referência a Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, que garante o sigilo entre conversações travadas por advogados e seus clientes.

Schmidt também frisou a importância do dever de fundamentação das decisões judiciais no que toca à escuta. “A Lei 9.296, de 1996, aponta o dever de fundamentação no que diz respeito à prática de escutas telefônicas.” O advogado apontou, no tocante ao sigilo das comunicações, a preservação do sigilo entre advogado e cliente. “Temos o sigilo vulgarmente atropelado”, afirmou. Como exemplo do problema, apontou o acesso à imprensa de grampos telefônicos que, segundo ele, “nada têm a ver com liberdade e são arbítrios que vêm crescendo”.

Cobertura da imprensa

“Direito e Defesa, Exposição Pública do Suspeito e Publicidade Opressiva” foi o tema discorrido por Lenio Streck, professor da Unisinos. O advogado fez uma severa crítica às coberturas realizadas pelos meios de comunicação em relação às operações desenvolvidas pela Polícia Federal e disse que a mídia não é apartidária nem isenta em seus relatos.

“Imagens exclusivas ao [programa] ‘Fantástic’o violam os direitos de privacidade. Elas só podem ser veiculadas mediante a lei. Escritórios são invadidos e não se pode falar ao telefone. Tudo é espetacularização [da mídia]”, afirmou.

Streck também acentuou a responsabilidade de muitos advogados no problema. “Não é possível defender a Constituição quando ela nos favorece e deixar de fazê-lo quando ela nos prejudica”, afirmou.

O advogado Alberto Zacharias Toron falou sobre “Acesso à Justiça e Jurisprudência Defensiva”. Uma de suas principais preocupações relacionou-se ao ataque que, segundo ele, vem sendo desferido à instituição do habeas corpus. “Não podemos esquecer que foi em um habeas corpus que o STF garantiu ao advogado ter direito aos autos para realizar investigações. Agora, o STF não pode abrir mão de seu papel de defensor da Constituição”, disse.

Toron também classificou como uma “praga” os julgamentos monocráticos. “O advogado interpõe o habeas corpus e ele é monocraticamente indeferido. Isso priva o advogado da defesa oral”, disse. Em sua apresentação, o advogado também atacou a aplicação da condução coercitiva. Segundo ele, a medida é adotada “sem que o conduzido seja intimado uma única vez.”

A advogada Heloisa Estellita abordou o tema “Direito de Defesa e Presunção de Inocência”. Ela se deteve principalmente sobre questões técnicas que acabam obstaculizando o direito de defesa. “Por isso, proponho um diálogo entre penalistas e processualistas no que diz respeito ao direito de defesa. Isso porque há penas [que são proferidas] sem direito de defesa. Denúncias ineptas não rejeitadas obstacularizam o direito de defesa”, afirmou.

Segundo a advogada, uma denúncia inepta é a negativa do direito de defesa. “Há denúncias feitas de forma genérica. E há necessidade de aditamento da denúncia”, diz. Segundo ela, cabe à denúncia fazer a narrativa de um fato concreto. Porém, Estellita afirma que nem sempre isso tem ocorrido no Brasil: “Temos as narrativas dos fatos, mas não temos os fatos criminosos.”

O Painel 2 foi encerrado com a exposição por Ricardo Breier, presidente da OAB-RS, do tema “Crise do Direito no Estado Democrático de Direito”. O advogado iniciou sua fala questionando a possibilidade de se falar do tema frente à existência de tal Estado. “Isso ocorre porque temos um Estado que não está sendo cumprido”, disse.

De acordo com o advogado, as instituições não estão conseguindo manter os princípios da legalidade, o respeito às regras. Um dos motivos, de acordo com  Breier, é o fato de haver crises acarretadas por políticas criminais com origem em políticas repressivas.

“Os discursos que vemos hoje ferem o discurso da legalidade. Assim, o direito de defesa se perde”, afirmou o presidente da OAB-RS. Breier apontou ainda que os advogados são os mais prejudicados. “Nossos advogados não estão morrendo moralmente, mas também fisicamente. E são presos quando exercem o direito de defesa”, afirmou.