No dia 11 de agosto, celebra-se no Brasil o Dia do Advogado, em comemoração à criação, por Dom Pedro I, em 1827, dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, originários da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, e da Faculdade de Direito de Olinda, Pernambuco. Por essa razão, durante o mês de agosto, muito se debateu sobre o papel do advogado e sua interferência na sociedade.

A esse respeito temos observado certas violações ou mitigações às prerrogativas dos advogados, previstas na Constituição, no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e em outras legislações. Em face desse quadro, é relevante discorrer sobre o significado das prerrogativas, seu alcance e seus fundamentos.

A palavra prerrogativa vem do latim praerogativus, onde, separando o prefixo (pre — sinônimo de antes) de seu radical, teremos o verbo rogar, que significa pedir, suplicar e implorar. É certo também que só pedimos aquilo que não podemos fazer por nós mesmos. Assim, antes de pedir, precisamos de uma garantia inata para sermos atendidos. Por exemplo, no plano divino costumamos rogar a Deus muitas das coisas que não conseguimos resolver no mundo físico. No plano da justiça, o cidadão roga ao Poder Judiciário quando tem seus direitos violados. Todavia, para rogar perante o Poder Judiciário, precisa de um intermediário, que é o advogado, o qual possui a capacidade postulatória. Logo, as prerrogativas inseridas na Constituição e no Estatuto da OAB se destinam ao cidadão, e não ao advogado.

Feitas essas considerações, fica claro o motivo pelo qual a Constituição de 1988 estabeleceu no artigo 133, caput, que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Portanto, a independência e a inviolabilidade conferida aos advogados foi positivada para preservar a essencialidade da “Justiça”, os cidadãos e todas as normas e princípios correlatos, precipuamente o Estado Democrático de Direito.

Da mesma forma, o Estatuto dos Advogados ou da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) preserva, no artigo 7º, I e parágrafo 2º e artigo 18, a liberdade funcional e independência no livre exercício da função do advogado.

Fazendo uma digressão ainda maior, podemos identificar outras razões para a existência dessas garantias. Nesse pormenor, imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988 foi sistematizada tendo como uma de suas premissas o equilíbrio entre os Poderes, que devem ser harmônicos e independentes, todavia incluiu um novo paradigma nessa organização.

Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, sendo necessário adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de Direito. Assim, o Poder Constituinte Originário, atento às lições de Montesquieu, positivou, no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante o que preceitua o artigo 60, parágrafo 4º, III, da CF/88.

Entretanto, o constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia e, necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio, incluiu na organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à Justiça. Nesse novo capítulo, o constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções, não fazendo qualquer menção à prevalência de uma instituição ou órgão.

Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, serão concretizados, em parte, por meio das funções essenciais à Justiça.

Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas, sim, de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do Estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.

O Constituinte não restringiu ao Poder Judiciário a prestação da Justiça, exigindo a intervenção do Ministério Público, da advocacia pública, da Defensoria Pública e da advocacia stricto senso, como garantidores e defensores dos interesses da sociedade, do Estado, dos hipossuficientes e dos cidadãos. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao discorrer sobre o papel afeto às funções essenciais à Justiça, consigna que[1]:

Sem esses órgãos, públicos e privados de advocacia, não pode haver justiça, aqui entendida como a qualidade ética que pretende exigir do Estado pluriclasse quanto à legalidade, à legitimidade e à licitude. E porque essa justiça só pode vir a ser realizada em sua essencialidade se dispuser dessas funções, autônomas, independentes, onipresentes, e, sobretudo, corajosas, o legislador constitucional as denominou de ‘essenciais à justiça’ (Título IV, Capítulo IV, da Constituição).

Mais a mais, pode-se acrescer, ainda segundo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[2]:

Não haja dúvida de que, ao recolher, na evolução teórica e prática do constitucionalismo dos povos cultos, novíssimas expressões institucionais, como o são a participação política e as funções essenciais à justiça, o Constituinte de 1988 deu um passo definitivo e, oxalá, irreversível, para a preparação do Estado brasileiro do segundo milênio como um Estado de Justiça, aspiração, como se expôs, mais ambiciosa do que a realização de um Estado Democrático de Direito, que naquela se contém e com ela se supera.

Dito de outra forma, pode-se asseverar que a positivação do Ministério Público ao lado das novas instituições constitucionais, advocacia pública, Defensoria Pública e advocacia stricto senso veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, necessitando-se garantir a elas atuação dentro do mesmo patamar hierárquico e repelindo-se qualquer grau de subordinação entre si ou internamente, tendo em vista sua “essencialidade”. Nesse sentido dispõe o artigo 6º da Lei 8.906/94, consignando que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Ante ao exposto, para o exercício das atribuições ínsitas à advocacia, garantindo a promoção da Justiça com liberdade e igualdade, é imprescindível proteger a inviolabilidade e a independência do advogado, além das outras prerrogativas Constitucionais e legais que, como observado, estão atreladas à defesa do Estado Democrático de Direito e dos cidadãos. Considerando a importância do bem tutelado o art. 2º, parágrafo único, II, do Código de Ética e Disciplina da OAB impõe como dever do advogado “atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé”.

Tolher a liberdade do advogado, ou relativizar suas prerrogativas, é fragilizar a defesa do cidadão e as premissas do Estado Democrático de Direito.

Fonte: Conjur