A Corte Especial do STJ está julgando na manhã desta quarta-feira, 21, se restringe ou não o foro por prerrogativa de função de integrantes do Judiciário. Já foi formada maioria em favor da manutenção do foro como é atualmente.

O ministro Luis Felipe Salomão votou a favor da restrição do foro dos desembargadores e procuradores, como já decidido em relação aos conselheiros de Tribunais de Conta e governadores.

O entendimento da Corte é em questão de ordem na ação penal que trata de caso de lesão corporal cometido por desembargador contra a própria mãe e irmã. Salomão divergiu do relator da ação, ministro Benedito Gonçalves. O desembargador denunciado integra o mesmo Tribunal no qual o juiz, se competente, irá julgá-lo. Por isso, o ministro Benedito votou por manter a prerrogativa por foro do desembargador na Corte.

Restrição

O ministro Salomão começou o voto lembrando que no mesmo dispositivo da CF estão todas as autoridades com a prerrogativa. “Não consegui enxergar motivo para tratar de maneira diferente aqueles que estão inseridos no mesmo inciso”, afirmou.

“Ao foro por prerrogativa de função é atribuída finalidade de assegurar independência e livre exercício de cargos e funções daquele que o possui. É uma prerrogativa atribuída ao réu e à dignidade ao cargo que exerce e não ao julgador.”

Mencionando a súmula 451 do STF, o ministro ponderou que a jurisprudência do próprio STJ considera que o foro não é privilégio pessoal de seu detentor.

Tendo em vista que o foro é prerrogativa inerente ao cargo, pode-se afirmar que a regra de competência não possui outra finalidade que não conferir tratamento diferenciado a determinados cargos. A prerrogativa de foro não visa proteger o juiz, mas sim, eventualmente, ao acusado, ao réu. Não confere a ideia de tratamento diferenciado para que o juiz possa em determinada situação se sentir pressionado por um seu desembargador, presidente ou corregedor, porque na verdade a existência da prerrogativa de foro está na proteção do cargo do denunciado e não daquele que vai julgar. Se ele [juiz de 1º grau] julga o senador, o deputado, o conselheiro do tribunal de contas, não seria para o desembargador que teria um tratamento diferenciado.

Salomão argumentou que a todos os membros da magistratura nacional há a presunção de atuação de boa-fé, de modo diligente e imparcial em todos os casos, e portanto não seria razoável entender que o juiz irá julgar com imparcialidade os senadores, deputados e outros e quanto aos membros do seu Tribunal, faltará isenção. “Não se presume a parcialidade do julgador”, completou S. Exa. Disse também que além dos requisitos e dos procedimentos previstos na lei, há o recurso, de modo que tanto a autoridade que se sentir prejudicada quanto o parquet sempre poderão recorrer caso considerem que a decisão seja resultado de atuação parcial do magistrado.

“Não só a atuação dos juízes de 1º grau seria colocada em dúvida, mas também do próprio tribunal ao qual pertence e das instâncias recursais como um todo.”

Recordou Salomão que ao juiz de 1º grau é atribuída competência para demandas cíveis e improbidade administrativa em que litigam desembargador e presidente de Tribunal, sem que nessas hipóteses se cogite de quebra de imparcialidade. Assim, não há justificativa para retirar-lhes a competência de demandas penais, sobretudo quando baseia-se em possível quebra de imparcialidade. Salomão defendeu a necessidade de interpretação simétrica entre o que decidido em relação às outras autoridades elencadas no dispositivo constitucional e aos membros do Judiciário e do parquet, sob pena de gerar “odiosa insegurança jurídica”.

Para o ministro, todas as razões lançadas pelo Supremo no julgamento  amoldam-se à perfeição ao caso examinado, restringindo-se desse modo também no que diz respeito aos desembargadores e juízes do TRF, TRT e TRE, àquelas situações em que o crime foi praticado em razão e durante o exercício do cargo e função. A tese proposta pelo ministro foi: “O foro por prerrogativa de função também nos casos de desembargadores e juízes aplicam-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas.”

Manutenção do foro privilegiado

Após a divergência, o ministro Raul Aráujo votou em seguida, acompanhando o relator Benedito Gonçalves. Raul considerou o regramento da Loman e disse que um juiz julgar um superior hierárquico geraria uma “situação no mínimo delicada, tanto para o julgador quanto para a hierarquia do Judiciário”. Para o ministro, o foro confere estabilidade ao sistema do Judiciário.

Mesmo que se resolva dar ao caso o entendimento mais restritivo do foro por prerrogativa de função adotado pelo STF, pode-se estabelecer que ainda que o suposto crime não tenha sido praticado em razão ou durante o exercício da função, caso o juiz seja do mesmo Tribunal, deve-se manter a prerrogativa de foro, conforme o art. 35 da Loman.

No mesmo sentido foram os votos dos ministros Fischer, Nancy Andrighi, Noronha, Humberto Martins e Herman Benjamin. Nancy disse que a Corte não poderia modular a lei orgânica da magistratura, “quando ela é enfática”. O presidente do Tribunal, Noronha, discursou:

“O Brasil tem peculiaridades que diferem muito. Por mais que acredite na lisura dos juízes brasileiros, seria muito constrangedor para esse juiz em determinada situação votar ou condenar um superior hierárquico, que votou ou votará nele para uma promoção. Sem considerar outras hipóteses. Eu não daria essa carta em branco. Não assinaria um cheque em branco para os juízes nessa hipótese. Eu prefiro a cautela. Não quero ver juiz perseguido nem promovido por favores concedidos que pode gerar até a impunidade. Minha preocupação é sobretudo a impunidade, vamos ver Estado em que a pressão no juiz é muito grande. Juiz que tem vínculo com investigado não pode julgar. É uma blindagem que se faz à independência da magistratura. O juiz que está subordinado a um investigado não deve julgá-lo.”

A divergência do ministro Salomão foi acompanhada pela ministra Maria Thereza:

Gostaria de expressar uma preocupação. Ouso divergir que o juiz esteja subordinado ao réu, desembargador. Ele está subordinado ao Tribunal ao qual tanto ele quanto o desembargador fazem em parte. Em uma eventual promoção, por antiguidade não poderia ser preterido. Nós estamos invertendo o entendimento de que o juiz é imparcial, tem a garantia da independência e de que todos os mecanismos que são capazes de garantir essa imparcialidade vão funcionar, para partir do pressuposto de que sempre que um desembargador for réu terá força suficiente pra atuar junto aos demais colega do Tribunal para que todos juntos façam preterição do juiz à promoção [por merecimento]. Se o juiz entende que não tem condição de julgar o desembargador, ele se dê por suspeito.

Por sua vez, o ministro Herman ponderou: “Nenhuma lei consegue mudar as leis da natureza ou a realidade dos fatos. E a realidade que nenhuma lei vai mudar nem nós como juízes é que todo juiz é um ser humano. E sofre das vicissitudes de todo ser humano. Para um juiz, a carreira é o fundamento da sua existência profissional. E não vejo como um juiz possa julgar o corregedor do seu Tribunal. O foro existe para o réu e em favor da sociedade. É garantia implícita. A sociedade quer que os desiguais sejam tratados de forma desigual. Há formas de transformar o cotidiano de um juiz em um inferno. As inspeções, as correições reiteradas, os conceitos negativos enviados pelos relatores às corregedorias, sujando o prontuário do magistrado. Tudo isso faz parte da nossa realidade e não há lei nenhuma que apague essa realidade. O Brasil não é a Suécia.”

Na mesma linha foi o voto do ministro Napoleão Nunes, que alertou para o fato de que há um “sentimento natural e humano de atenção ou temor ao superior hierárquico”. “É mais conveniente, mais sensato, mais próprio que se permaneça como está em relação aos desembargadores, simplesmente por ter sobre os juízes essa ascendência. A função hierárquica dá naturalmente essa ascendência“, concluiu.