A Era Vargas está chegando ao seu fim. Nos últimos dois anos, a implosão da septuagenária estrutura sindical corporativista está provocando radicais mudanças, o que provocará uma verdadeira renovação nas relações trabalhistas brasileiras.

Quando criada a organização sindical no Estado Novo, há quase 80 anos, sustentava-se na ideia de que o sindicato era uma extensão do estado, pois apenas ele poderia autorizar sua criação e existência.

No sindicato, trabalhadores ou empresas se juntavam exclusivamente por um critério da lei (a categoria), somente podendo haver uma única representação por imposição de lei (unicidade), para quem todos obrigatoriamente deveriam contribuir (imposto sindical).

Apesar dos avanços da Constituição de 1988, que adotou em parte a liberdade sindical pregada pela OIT na Convenção 87, mesmo assim a estrutura sindical brasileira apadrinhava o velho corporativismo e se sustentava na contribuição compulsória, ainda se organizando por categoria e mantendo a unicidade.

Agora, a reforma trabalhista, advinda com Lei 13467/2017, retirou um dos pilares dessa estrutura: a compulsoriedade da contribuição sindical, novidade que prontamente o STF declarou constitucional, em junho de 2018, na decisão da ADI 5794.

Para reforçar a intenção do novo governo, a edição da Medida Provisória 873, em março de 2019, deixa claro e expresso que a contribuição aos entes sindicais é voluntária e individual.

A questão por trás de todos esses recentes movimentos legislativos, somados com o esfacelamento do Ministério do Trabalho em três novas pastas e com o retorno do debate da extinção da Justiça do Trabalho, tudo isso demonstra o fim da Era Vargas e traz ao debate uma nova concepção mais democrática no trato das relações coletivas de trabalho.

A implosão de um dos pilares fará ruir o edifício todo?

Se a resposta for sim, não faz mais sentido remanescer com a unicidade nem com a organização por categoria. Esse entendimento proclamaria a tão esperada liberdade sindical por completo.

Se a resposta for não, teremos um sistema sindical anacrônico, deformado e disfuncional.

Anuncia-se, portanto, um duplo movimento sindical: (i) um horizontalmente, com a fusão de sindicatos e um alargamento geográfico e de categorias, (ii) um outro vertical, tanto ao topo, fortalecendo as entidades de cúpula, como à base, privilegiando as entidades e a negociação no nível da empresa (veja-se a criação da representação de trabalhadores no local de trabalho e a valorização dos acordos coletivos).

Esse duplo movimento mudará toda a dinâmica da estrutura sindical brasileira e revelará novas articulações entre os vários entes que negociam e o objeto da negociação coletiva, quem sabe até provocando uma concertação social.

É muito importante ter em mente que sindicalismo e democracia são binômios: não existe verdadeira democracia sem sindicatos com representatividade.

A tarefa árdua do sindicalismo brasileiro será sobreviver em um ambiente democrático e plural.

Talvez o primeiro desafio seja o custeio financeiro de todo o sistema. Tanto laboral como patronal.

Para isso, é preciso enfrentar o debate da livre associação aos sindicatos, em um sistema plural e sem unicidade, bem como o delicado debate sobre a abrangência e eficácia das normas negociadas: validade para sócios e não sócios? Isto é, para contribuintes e não contribuintes?

A implosão do modelo corporativista do sindicalismo brasileiro destrói apenas o modelo.

A (re)construção de uma nova estrutura sindical plural, democrática, livre e representativa é tarefa árdua e que precisa ser debatida por trabalhadores, empresários e governo, de forma legítima, ampla e consistente.

O fim da Era Vargas não é o fim do sindicalismo.

Bem-vindos à Era da Democracia.

*Eduardo Pragmácio Filho é doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisador do Getrab-USP, sócio do escritório Furtado Pragmácio Advogados e autor do livro A boa-fé nas negociações coletivas trabalhistas