Por Paulo Maria de Aragão*

Em qualquer dimensão, bem maior haverá para o homem do que o trabalho? Guardadas as proporções é tão fundamental quanto a preservação da vida. Assim, dada a importância de seu próprio sustento e do de sua família, o trabalhador se faz maniatado pela exploração daquele que lhe paga, abrindo mão de direitos indisponíveis. Não se fala aqui de direitos que ele desconhece. Mesmo conhecendo-os, não se atreve a arrostar o patrão, temendo perder o emprego, consequentemente o sustento de seu lar. Trata-se de uma relação análoga à existente entre Davi e Golias, muitas vezes, sem o mesmo final feliz para a parte mais frágil, a economicamente hipossuficiente.

Resulta daí, salvante raras exceções, que, aviltado em seus direitos, aceita a violação do princípio da autonomia da vontade, deixando-se pisotear. Um dos maiores patrimônios do homem no nível da existência física é o emprego. Segundo Ihering, o incapaz de defender seus próprios direitos é indigno de proteção, porém a dialética não é generalizável, porque há situações desesperantes a que, como última tentativa de contornar situação gravíssima, até os mais duros de coração se rendem.

Respeitante ao assunto, segundo Irvin David Yalom, no seu “A Cura de Schopenhauer”, foi este o grande filósofo a construir o seu pensamento com base no ateísmo. Tempos antes, Hobbes, Hume e Kant demonstravam tendências agnósticas – conforme o autor – mas não as manifestavam em face de seus comprometimentos profissionais nas universidades e nas empresas públicas. Temiam a perda do emprego. A seu turno, Schopenhauer rejeitava qualquer sujeição. Não dependia de emprego – conservava sempre a liberdade de expressar o que quisesse. Um século e meio antes, Spinoza, com a mesma liberdade de pensamento, rejeitava altos cargos em universidades, decidindo-se por sobreviver do ofício de polidor de lentes até os seus últimos dias de vida (1677).

Ora, se até certos filósofos silenciavam suas convicções para não prejudicar os status cultural e financeiro, o que dizer de um modesto trabalhador, reificado crônico, que promove a sua subsistência em função de um parco rendimento, obtido mediante um labor sacrificante, diferente dos que mercadejam consciências, que prestam vassalagem ao “Príncipe”, em troca de “fidelidade” e proteção? Uma aceitação irônica da vida…

Como preocupação primeira, o homem busca, em tudo que realiza, uma forma que dê segurança a si próprio e aos que dele dependem, e o trabalho é a maneira mais digna de lograr a segurança e de se afirmar socialmente. Sem ele, o vírus do desemprego assusta, desigualdades econômicas e sociais crescem, intensificando as exclusões e a classe dos miseráveis, com reflexo direto na violência urbana.

Esse lamento foi sentido por Gonzaguinha, por meio da música “Guerreiro Menino”, ao manifestar a emoção de um homem que só se sente digno se empregado: “Um homem se humilha/Se castram seu sonho/Seu sonho é sua vida/ E a vida é trabalho/ E sem o seu trabalho/Um homem não tem honra/E sem a sua honra/Se morre, se mata”.

Mas, de qualquer modo, independendo do plano ideológico, resulta a condição de que o trabalho é o catalisador da dignidade humana, não sendo permitido, do prisma jurídico, jugular a vontade do cidadão, merecedora de respeito por se tratar de um dos postulados democráticos.

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.