No mesmo dia em que a opinião pública brasileira era mais uma vez abalada com cenas de extrema violência, com a morte de 12 adolescentes em uma escola pública no bairro Realengo, no Rio de Janeiro, uma importante notícia passou ao largo do interesse da população naquele momento. O fato, porém, poderá transformar a rotina da Justiça do País, dando maior celeridade aos novos processos, maiores garantias aos réus e suas vítimas e amenizando a grave crise que atinge o nosso Sistema Penal.Naquela quinta-feira (7), a Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou o projeto que altera o Código de Processo Penal (CPP), cuja matéria vinha se arrastando desde 2001. Com as mudanças já aprovadas, falta apenas a sanção da presidente Dilma Rousseff para entrar em pleno vigor. Apesar das inovações na lei, foi mantida a parte considerada mais polêmica do projeto; a que trata do instituto da ‘prisão especial’.

Inovações

Parte dos congressistas se posicionou contra a manutenção da prisão especial, que beneficia o réu até sua condenação definitiva. Mas, a maioria acabou vencedora e manteve a ‘regalia’ para várias autoridades, inclusive, os próprios parlamentares. Entre os beneficiados estão ministros, governadores, prefeitos, magistrados, líderes sindicais e religiosos, delegados de Polícia e oficiais das Forças Armadas.

Contudo, além da parte polêmica, que acabou sendo mantida, as alterações no CPP podem representar um avanço na fase processual. E um dos principais pontos de destaque é a criação da figura do juiz das garantias. A ele caberá acompanhar toda a fase de apuração policial de um delito, com o objetivo maior de controlar a legalidade da investigação e zelar pelos direitos fundamentais do acusado. Sua atuação, porém, terá limites. Ele funcionará no processo somente até a propositura da ação penal e não julgará o caso. Além disso, suas decisões não serão vinculadas ao juiz julgador.

Para os juristas defensores deste novo modelo, o ‘juiz das garantias’ vai representar maior equilíbrio de forças no sistema acusatório, resguardo na imparcialidade do magistrado e celeridade processual. Este modelo de Justiça já é praticado, há anos, em países desenvolvidos, como Itália e Portugal.
 
Mas, a instituição do ‘juiz das garantias’ esbarra numa das maiores dificuldades enfrentadas pelo Judiciário brasileiro; o baixo efetivo de juízes de Direito. Para se ter uma ideia disso, segundo levantamentos feitos pelo Senado Federal, através de seu Setor de Apoio Técnico de Consultoria Legislativa, há dezenas de comarcas no Brasil que dispõem de apenas um juiz. Conforme este levantamento, no Ceará, por exemplo, existem 134 comarcas e destas, 57 possuem apenas um juiz em pleno exercício. Já no vizinho Estado do Rio Grande do Norte, a situação é ainda mais grave. São 65 comarcas e 30 delas com um só magistrado como titular.

Em Fortaleza, há um clássico exemplo disso. A Vara das Execuções Penais e Corregedoria de Presídios tem somente um juiz para julgar demandas em mais de 10 mil processos que tratam, entre outros procedimentos, da progressão de regime para os presos condenados.

Cautelares

Outro destaque nas mudanças que deverão ser implementadas com a sanção presidencial do projeto de lei, diz respeito à ampliação do conjunto de ‘medidas cautelares’ que podem ser tomadas pela Justiça no decorrer da investigação. Além da prisão provisória (que também terá mudanças), estão previstas outras modalidades, tais como, recolhimento domiciliar, arbitramento de fiança, monitoramento eletrônico, suspensão do exercício de profissão, atividade econômica ou função pública; suspensão de atividade jurídica, proibição de frequentar determinados lugares, suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave; afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima, e proibição de ausentar-se do País.

ANÁLISE

Inovações são bem-vindas para sociedade

Mudanças na lei brasileira que trata de punição aos criminosos sempre são bem-vindas, já que a sociedade não suporta mais tantos fatos violentos. Agora mesmo, todos nós estamos ainda abalados com a recente chacina que deixou mortos 12 estudantes adolescentes no Rio de Janeiro. Episódios como o da escola em Realengo sempre motivam os políticos aproveitadores de plantão a sugerir mudanças drásticas nas leis, mas desde que estas não os atinjam.

A recente aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei que altera o Código de Processo Penal é uma prova do que estamos falando. O projeto previa o fim da chamada ‘prisão especial’. Mas, este item acabou não sendo aprovado. Isto porque os próprios políticos e gestores públicos são os que irão se beneficiar deste dispositivo legal caso tenham a custódia preventiva ou temporária decretada algum dia. As mudanças na legislação processual penal dividem os operadores de Direito. No capítulo que trata da criação do ‘juiz das garantias’, há opiniões diversas. Para alguns, é importante que um juiz atue no decorrer da fase apuratória e outro julgue o caso.

Outra corrente diverge deste pensamento, acreditando que, o magistrado que acompanhou a investigação é o mais apto para dar o veredicto. As alterações também alcançam as medidas cautelares a serem tomadas no decorrer da investigação, como a decretação de prisão provisória ou preventiva, quebra de sigilo telefônico, bancário ou fiscal, a prisão (ou recolhimento) domiciliar e a suspensão da atividade profissional do investigado. Apesar das diferenças de interpretação e opiniões, os operadores do Direito são unânimes num ponto. Acreditam que a Justiça brasileira deve melhorar. Deve ser célere, e mais justa.

Fernando Ribeiro
Editor de Polícia

MAIS GARANTIAS

Paulo Quezado ressalta os avanços

Estudioso das leis brasileiras e apontado como um dos mais importantes criminalistas do Ceará, o advogado Paulo Quezado considera que a aprovação do projeto de lei que altera o atual Código de Processo Penal (CPP)representa uma forma de “democratizar mais o Júri”. Ressalta a permissão que os integrantes do Corpo de Jurados terão agora até para conversar sobre o processo.

Conforme Quezado, esta permissão já é bastante exercida em outros países onde a Justiça se apresenta mais eficaz, como os Estados Unidos e a Itália. Para ele, a criação do juiz das garantias é outro importante avanço para o Poder Judiciário brasileiro. “O projeto desburocratiza a Justiça. No caso do papel exercido pelo juiz das garantias, este deixará o julgador mais isento”, afirma o especialista, fazendo coro com outros juristas de peso do País.

Sistema Penal

Mas é no capítulo que se refere às novas medidas cautelares, que o ex-deputado estadual e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará vê maiores ganhos para o País.

Para ele, as alternativas que a Justiça disporá na hora da aplicação das medidas cautelares deixarão o Sistema Penal menos ‘inchado’. “Atualmente, o que presenciamos é um sistema completamente arcaico e sem propósito. As cadeias estão abarrotadas e, todos os anos, uma leva de criminosos surge, obrigando os Estados a construírem, cada vez mais, novos presídios, e penitenciárias”.

“Isso não resolve nada, só torna o Sistema Penal ainda mais ineficiente. Anualmente, constroem-se mais presídios e não há resultado contra a violência e a criminalidade neste País”, acentua. Entre as medidas cautelares alternativas que a Justiça poderá tomar, Quezado cita o monitoramento eletrônico (presos que passam a ser acompanhados a distância usando pulseiras ou tornozeleiras eletrônicas), o recolhimento domiciliar, a fiança, liberdade provisória, suspensão da atividade profissional e até o bloqueio de endereço eletrônico na internet, conforme está previsto no projeto aprovado.

Autor de várias obras que tratam das inovações nas leis penais brasileiras, Paulo Quezado organizou e já lançou um manual intitulado ‘O Novo Código de Processo Penal’. Com formato simples e textos reduzidos, porém, aprofundados, a nova obra, segundo o criminalista, servirá como guia para advogados, estudantes de Direitos e outros operadores se inteirarem, de forma rápida e fácil, sobre as mudanças no CPP.

O QUE ELES PENSAM

Maior equilíbrio processual

"A partir da Constituição de 1988, passou a existir uma contradição clara entre os princípios estabelecidos no texto constitucional, sobremodo, nos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e da presunção da inocência, em relação ao Código de Processo Penal vigente. A aprovação do novo Código é muito bem-vinda para a advocacia e para a sociedade, porque exclui a utilização de um sistema inquisitivo utilizado na legislação anterior a 1988. Ela dará maior eficiência ao rito processual, criando garantias claras à presunção da inocência e à razoável duração do processo. Louvamos a criação do juiz das garantias, pois permitirá controle maior da legalidade já no processo de investigação, permitindo o equilíbrio das forças de acusação e de defesa".
 
Valdetário Monteiro
Presidente da OAB-CE