Mais uma vez a situação do poder Judiciário cearense foi tema de discussão. Representantes de diversas classes ligadas à área do Direito se reuniram na tarde de ontem, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção-Ceará, (OAB-CE), com o intuito de apontar os problemas e algumas soluções para tentar resolvê-los.

 

Classificando o atual momento da Justiça no Estado como "o mais crítico já vivenciado", Valdetário Andrade Monteiro, presidente da OAB-CE, explica que o motivo pelo qual tanto vem se debatendo a situação do Judiciário nos últimos tempos é, principalmente, o processo de desenvolvimento pelo qual o Ceará está passando e que, consequentemente, exige da Justiça maior demanda.

 

"Exigência esta que não consegue ser cumprida devido as diversas dificuldades que o setor enfrenta há anos e que nunca foram discutidas como deviam e nem solucionadas", comenta Valdetário Monteiro.

 

O presidente da OAB-CE cita a longa reforma no Fórum Clóvis Beviláqua e a digitalização e virtualização do Judiciários como ações que dificultam ainda mais o trabalho dos operadores do Direito. "Temos 60 comarcas no Estado sem juiz titular. A distribuição de um processo que demoraria 24 horas já chegou a demorar três meses. Hoje, a distribuição é feita em 60 dias. É inconcebível que um único juiz responda por oito varas".

 

Dificuldades

 

Dentre os principais fatores que tornam o Judiciário cearense um dos mais lentos e congestionados do País estão a falta de estrutura material e a carência de servidores para atuar na área. Esta última poderia ser solucionada com a abertura de concursos públicos.

 

Presente à reunião, Adriano Leitinho Campos, presidente da Associação dos Defensores Públicos do Ceará (Adpec), enfatizou a dificuldade que a população pobre tem para garantir os seus direitos junto à Justiça.

 

De acordo com Adriano Campos, 50% dos municípios cearenses não contam com defensores, um número considerado grave, tendo em vista que 80% desta população é tida como pobre perante à lei. O Estado possui cerca de 290 profissionais atuando nesta área. "Em 2010, cada defensor no Estado atendeu, por dia, 45 pessoas. É algo absurdo. Em Fortaleza, existem varas sem defensor público", critica.

 

Para Campos, o processo de virtualização e digitalização está afastando ainda mais a sociedade da Justiça. "Muitas pessoas não sabem nem o que é Internet. Como elas saberão acessar o seu processo digital? Para mim, isso não é Justiça, mas sim injustiça".

 

Corrupção

 

Na oportunidade, o conselheiro da OAB-CE e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem, Fernando Férrer, foi empossado coordenador estadual do Observatório da Corrupção da OAB. O instrumento servirá como canal para a população realizar denúncias e como meio de acompanhar o que está sendo feito no âmbito político municipal, estadual e federal.

 

ENTREVISTA – Marcelo Roseno

 

A Justiça cearense está passando por um momento de expansão. Quais seriam os principais motivos que estão levando a situação do Judiciário ser tão discutida hoje?

 

Especialmente após a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nós passamos a examinar a Justiça com base em dados científicos. Anualmente, o relatório de Justiça é divulgado e serve como fonte para avaliações. No caso do Estado do Ceará, está ocorrendo a quebra de paradigmas com a virtualização e a reforma do Fórum Clóvis Beviláqua. Em decorrência de problemas na execução dos projetos, há um aumento de reclamações.

 

Na sua apresentação, o senhor mencionou que ocorreram mudanças importantes no Judiciário cearense do ano de 2009 para o ano de 2010.

 

A gente está em uma fase de expansão nítida. Em 2009, o Tribunal enviou para a Assembleia projeto que buscava a reforma no Judiciário. Foram criados 121 cargos de magistrados e outras medidas que seriam sentidas a médio e a longo prazo. De 2009 para cá, mesmo sem a implementação de todas essas medidas, já percebemos que os índices são mais favoráveis. Apesar de também sabermos que os problemas são graves. Mas há uma luz no fim do túnel, os números mostram isso. Estamos conseguindo julgar mais processos que o número que entram. Além disso, houve um aumento de investimento considerável na Justiça. Em 2009, tínhamos um investimento per capita de R$ 64,15, no ano passado, passamos para R$ 80,46, um acréscimo de R$ 100 milhões investido na Justiça.

 

Quais seriam os outros pontos positivos conquistados nesse último ano no Judiciário?

 

A Justiça conseguiu julgar 76 mil processos de 2009 para 2010, ou seja, superamos em 76 mil o número de processos novos. Outra questão também é que conseguimos ter uma diminuição de 20% na taxa de congestionamento em processos da segunda instância.

 

Que raio-x o senhor faria da Justiça do Ceará neste momento?

 

Nós hoje trabalhamos com altas taxas de congestionamento e com uma carga de trabalho muito alta. Mas tem havido muito boa vontade dos magistrados para solucionar esses problemas graves e frutos de um processo histórico de pouco apreço pelas políticas públicas de acesso à Justiça. Durante anos, essa questão é renegada. A demanda cresceu e a estrutura não estava preparada para recebê-la. Essa estrutura está estrangulada e esses problemas são decorrentes deste estrangulamento. Temos que preparar a estrutura para receber essa carga de trabalho e suportar essa demanda.

 

Fonte: Diário do Nordeste (06/09/11)