Juristas avaliam as polêmicas envolvendo o Conselho Nacional de Justiça e as associações de magistrados.

Quais são os limites das competências do Conselho Nacional Justiça (CNJ)? Esta resposta será dada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro. Enquanto a Corte não volta do recesso, a cada dia surgem novos argumentos e declarações para acalorar o debate. Especialistas em Direito e magistrados são unânimes em reconhecer a eficiência do Conselho em apurar desvios de juízes e alertam para um possível enfraquecimento do Judiciário, caso o Supremo opte por diminuir seus limites de atuação.

O Conselho Nacional de Justiça foi criado, em 2004, pela Emenda 45, conhecida como Reforma do Judiciário. Em 2005, o STF, em ação ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, considerou o órgão constitucional. Destacam-se em sua atuação a proibição ao nepotismo, regulação do teto salarial, transparência de gastos e produtividade de juízes e tribunais, divulgação de estatísticas, criação de metas de julgamento, mutirões carcerários, incentivos à conciliação, processos disciplinares e punição de corrupção.

Na atual crise, membros do Conselho questionam a falta de transparência na magistratura. Por outro lado, juízes e tribunais acusam-no de cometer ilegalidades durante as investigações, como quebra de sigilos bancários de servidores e magistrados.

O presidente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Marcelo Roseno, atribui essa disputa dos setores da magistratura e o CNJ a um momento de conformação de espaços no Poder Judiciário brasileiro. Ele explica que a amplitude do controle exercido pelo órgão – que o coloca, na esfera administrativa, como superior a todos os demais juízes e tribunais, à exceção do STF – dá a ele possibilidades de adquirir uma certa hipertrofia, a qual traz descontentamento de boa parte dos juízes.

´Excessos´

"Comportamentos identificados como excessos motivaram  a provocação ao STF.  Nesse momento, parece bem perceptível a ideia de que é necessário esclarecer os limites e possibilidades de atuação do CNJ, permitindo que o órgão avance na sua missão institucional", avaliou o juiz.

Fiel defensor  do Conselho Nacional de Justiça, o ex-procurador-geral do Estado, Djalma Pinto, considera que a crise é reflexo do sucesso da atuação do CNJ, principalmente sob o comando da ministra Eliana Calmon. "Essa disputa é lamentável. O CNJ surgiu por uma exigência da sociedade e sua competência está muito bem marcada pela Constituição", disse o jurista.

Ao longos dos sete anos de atuação, o Conselho Nacional de Justiça registrou 49 condenações a magistrados, entre as quais estão: 24 punições com aposentadoria compulsória, 15 afastamentos em decisões liminares, seis foram colocados à disposição (que não podem julgar), dois foram removidos de seus postos originais e dois foram censurados.

De todas as condenações já registradas, 38 delas são processos indiciados no próprio Conselho Nacional, e apenas 11 são de corregedorias locais. E é justamente nesta discrepância que está  respaldado os argumentos daqueles que  são contra e dos que são a favor ao CNJ.

 Os defensores alegam que o órgão veio para suprir uma demanda que não era atendida pelas corregedorias locais, já que estas protagonizaram claras dificuldades para impulsionar a apuração da conduta dos juízes.

Marcelo Roseno explica que  a criação do CNJ esteve atenta a essa realidade, tanto assim que se deu ao órgão a expressa atribuição de avocar e revisar processos disciplinares. "A  atuação mais incisiva da Corregedoria do CNJ tem trazido claros avanços para a atuação das corregedorias dos tribunais. Isso pode ser claramente percebido no caso do  Tribunal de Justiça do Ceará, onde a Corregedoria tem desempenhado um papel elogiável, atingindo estatísticas muito favoráveis, especialmente no último ano", avaliou o juiz.

"De uma forma global, o trabalho do CNJ tem sido extremamente eficiente. Um exemplo disso é o Panorama do Judiciário, que traz dados da Justiça em números, além da punição de magistrados que cometeram delitos", destacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – secção Ceará, Valdetário Monteiro.

 Com relação a possíveis excessos cometidos durante as investigações do Conselho, como o vazamento de dados dos juízes, Roseno defende que eles sejam atacados pontualmente, através dos  mecanismos que a própria  Constituição estabeleceu. "Não penso que os excessos sejam de tal monta a que se pretenda, em nome deles, restringir os poderes do CNJ. Fragilizar o sistema de controle apenas reforça um sentimento que se formou ao longo de nosso processo histórico, segundo o qual o Judiciário está distante da sociedade. Penso que é um erro que poderá conduzir a uma crise ainda maior de credibilidade e de legitimidade do Poder".

 Para  Djalma Pinto, os procedimentos adotados pelo CNJ precisam ser examinados e eventuais excessos precisam ser corrigidos para que o órgão cumpra suas funções dentro de seu figurino legal. "O que  se espera  é que haja serenidade para que se estabeleça a harmonia no Judiciário. Não há democracia sem um Poder Judiciário independente e respeitado", afirmou o jurista.

A OAB entende que o STF, como instância superior, e o próprio pleno do CNJ pode corrigir possíveis excessos cometidos pelo órgão, sem que seja necessário o seu esvaziamento.

Não é improvável um cenário em que o CNJ terá o seu poder de investigar restringido em 2012. Caso, o STF opte pelo esvaziamento do órgão, o presidente da ACM adverte que é quase certo que os juízes punidos buscarão a anulação das penas impostas anteriormente pelo Conselho.

Independentemente da decisão do STF, a OAB entende que esta disputa enfraquece o Judiciário. "É com muito pesar que observamos essa crise porque a ideia é todos trabalhando juntos pelo fortalecimento da Justiça", disse Valdetário Monteiro.

Já Marcelo Roseno é otimista quanto a um fortalecimento do Judiciário. "É possível que saia fortalecido, à medida em que fique demonstrado a setores mais conservadores que vivemos outros tempos, nos quais não há espaço para um Judiciário que não seja intransigente com desvios de conduta e que não esteja orientado por valores como transparência, prestação de contas e responsividade".

Respeito

"O que  se espera  é que haja serenidade para que se estabeleça a harmonia no Judiciário. Não há democracia sem um Judiciário independente e respeitado"
DJALMA PINTO
Jurista

"É com muito pesar que observamos essa disputa porque a ideia é todos trabalhando juntos pelo fortalecimento da Justiça. Essa disputa enfraquece o Judiciário como um todo"
Valdetário monteiro
Presidente da OAB-CE

"Não há espaço para um Judiciário que não seja intransigente com desvios de conduta e que não esteja orientado por valores como transparência"
Marcelo Roseno
Presidente da ACM

ACM defende sistema que seja mais eficiente

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possui 2.595 processos em andamento, número que inclui desde reclamações contra magistrados até sindicâncias. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 15 dos 27 presidentes dos tribunais de Justiça dos Estados possuem processos em tramitação ou arquivados contra eles.  Entre os 29 corregedores dos tribunais de Justiça, 18 respondem ou responderam a processos no próprio órgão.

Ao todo, três dos cinco corregedores foram ou são alvo do CNJ nos tribunais regionais federais. Dos cinco presidentes de tribunais regionais federais, dois possuem processos em tramitação ou arquivados.

Apesar destes dados, o presidente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Marcelo Roseno, defende que os juízes envolvidos em desvios representam uma minoria diante do universo de magistrados brasileiros. Ainda assim, de acordo com ele, o sistema de controle disciplinar se revelou historicamente bastante frágil. "Parece claro que o advento do CNJ tem mudado essa realidade", avaliou.

Para coibir ilicitudes, Roseno defende a criação de um sistema de controle mais eficaz. "Deve prevalecer é o fortalecimento do sistema de controle, imprimindo maior rigor à apuração e sanções efetivas para os devidos de conduta comprovados", disse.

JULIANNA SAMPAIO
REPÓRTER

Jornal Diário do Nordeste – 02/01/2012