SIM – A melhor maneira de coibir um crime é a certeza de punição e a Lei 11.340/2006 foi feita justamente para punir aqueles que espancam (e até matam) suas namoradas, amantes, esposas, mães e irmãs. Nossos legisladores estabeleceram novo tratamento para homens que ofendem as mulheres mostrando que dentro do arcabouço jurídico não são mais toleradas agressões e ameaças.

 

E agora, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, mesmo que não haja queixa da agredida, o Ministério Público poderá ingressar com a ação penal. Podemos afirmar que caminhamos em direção à conscientização das pessoas sobre a gravidade de crimes de gênero. Certamente, com o fim da impunidade tendem a diminuir os casos de violência doméstica.

 

Com a lei, a violência contra a mulher tornou-se visível e a sociedade passou a pedir punição para seus algozes. O número de denúncias aumentou sim, mas esse crescimento se deu porque as mulheres se sentiram mais protegidas para denunciar os agressores, mais seguras para pedir ajuda.

 

Pesquisa do Senado mostrou que 51% das pesquisadas acreditam que as agredidas não denunciam, só 4% creem que as vítimas procuram a Polícia e apenas 28% das agredidas denunciaram seus agressores. A explicação para isso é o medo, segundo 78% das entrevistadas.

 

Mas, além das punições, a lei tratou de outro ponto importante: o conhecimento de que é crime agredir uma mulher. Hoje, a Polícia tem de atuar de outra forma frente às denúncias de agressão. A lei veio dizer para todos que o velho ditado estava errado: em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher É essa mentalidade que está sendo mudada. Agressão não é para ser escondida, é preciso mostrar que o problema existe e que é necessário combatê-lo dentro da legalidade.

 

A lei prevê, além das punições, uma série de medidas protetoras para as mulheres, mostrando ainda que não é só prender o agressor, mas educar as gerações futuras contra a violência de gênero.

 

"Caminhamos em direção à conscientização sobre a gravidade de crimes de gênero"

 

 

Fabíola Marques

Advogada, conselheira e presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB-SP

 

 

 

NÃO – A Lei Maria da Penha foi uma das principais conquistas da luta feminista no Brasil. Em primeiro lugar porque ela cumpriu um papel extremamente relevante no processo de desnaturalização da violência contra a mulher. O Brasil sempre conviveu com uma cultura na qual “bater em mulher é normal”. A lei afirma claramente que a violência doméstica não é algo natural, não é uma violência qualquer, é a violência física carregada do peso do machismo amalgamado em nosso cotidiano.

 

Entretanto, há uma armadilha profunda, discreta e, por isso, perigosíssima que acompanha a aprovação da lei. O machismo brasileiro é tão forte que sorrateiramente se manifesta travestido de luta feminista. A violência contra a mulher é uma pauta importante, mas a grande luta contra a desigualdade de gênero no Brasil é pelo real reconhecimento da mulher como pessoa com plena capacidade de tomar decisões e influenciar os rumos do País.

 

Afinal, o Brasil ainda é um dos países com menos mulheres no parlamento (atrás do Irã e do Afeganistão, por exemplo) e a quantidade de mulheres em cargo de chefia nas empresas é ínfima. Por que conquistas nessas áreas são tão mais difíceis de conseguir do que no tema da violência doméstica? Talvez seja porque o tema da violência, na verdade, convive com o machismo com muito mais tranquilidade. É fácil colocar a mulher em um papel submisso, de quem deve ser tutelado e concordar com essas leis.

 

O Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão polêmica sobre um aspecto da Lei Maria da Penha: agora, mesmo que a mulher não queira, o Ministério Público pode levar seu agressor para a cadeia. Ora, será que isso contribui para afirmação da autonomia da mulher ou reforça a ideia de que mulheres devem ser tuteladas por pessoas que sabem o que é melhor para elas? Todos nós, feministas, devemos pelo menos desconfiar de qualquer decisão que retire poder das mulheres.

 

"É fácil colocar a mulher em um papel submisso, de quem deve ser tutelado, e concordar com essas leis"

 

Pedro Abramovay

Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas

 

Fonte: O Povo