Devido à demanda, unidades não conseguem dar rapidez aos processos e facilitar o acesso à Justiça

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foram criados, no País, pela Lei N º 9.099, de 1995, para possibilitar que ações sejam apreciadas com mais rapidez, menos burocracia e facilitar o acesso à Justiça pela população. Mas, o que seria uma solução, hoje, transformou-se em outro problema, pois as unidades dos popularmente chamados juizados de “pequenas causas” estão com tantos processos em tramitação que já sofrem com os mesmos problemas de burocracia e lentidão. Outro agravante é que o número de servidores, magistrados e unidades não acompanhou a demanda.

Conforme dados da Coordenadoria dos Juizados Cíveis e Criminais de Fortaleza, entre 2008 e 2011, as novas ações passaram de 30.906 por ano para 33.163, o que equivale um aumento de 7,3%. A situação faz com que casos passem até cinco anos e meio tramitando, quando deveriam ficar, em média, 75 dias entre a conciliação e o a audiência de instrução e julgamento. Algumas unidades ainda estão por apreciar ações de 2008.

Umas das prejudicadas com o acúmulo da demanda é a aposentada Terezinha Furtado Maia, 81 anos. O dia 31 de março sempre foi especial para ela, afinal de contas, é a data do seu aniversário. Exceto o do ano de 2006. Naquela ocasião, dona Terezinha completava 75 anos e foi vítima de um golpe que a prejudica até hoje.

Ao se dirigir até a agência do Banco do Brasil para retirar sua aposentadoria, na Avenida do Imperador, teve sua senha observada por um homem que a seguiu até sua casa e, dando continuidade à artimanha, obteve o seu cartão magnético. A sua via-crúcis começava.

Pouco tempo depois, o banco passou a descontar, sem sua autorização, os empréstimos feitos pelo golpista. Diante disso o nome da aposentada foi incluindo no cadastro negativado junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Poucos dias depois, ela deu entrada no 8º Juizado Especial Cível e Criminal e, após seis meses, no dia 15 de setembro, foi realizada a primeira audiência de conciliação, na qual não houve acordo. A audiência de instrução para julgamento da ação só foi realizada no dia três de abril de 2007, porém, o resultado da sentença só foi sair cinco anos depois. Em março deste ano, o caso dela foi julgado improcedente.

“Desde esse dia, minha vida mudou. Passei por vários problemas, inclusive de saúde, com depressão e tudo mais. Com o desconto, deixei de honrar meus compromissos no cartão de crédito e, pela primeira vez na vida, fui parar no SPC. Se não fosse o apoio financeiro das minhas irmãs e do meu filho, não sei como teria sido”, desabafa a aposentada, que foi obrigada a sair do apartamento onde morava, pois ficou sem condições de pagar o aluguel, indo residir com seu filho único, nora e os dois netos.

Carência

Para conselheiro da Ordem doa Advogados do Brasil (OAB) e coordenador do Movimento Justiça Já, a filosofia dos Juizados Especiais é a mesma do de pequenas causas. Ele explica que as ações julgadas nessas unidades podem ter até 40 salários mínimos. Entretanto, se a causa for até 20 salários, a parte não precisa nem de advogado. “A intenção é de facilitar o acesso das pessoas à Justiça, porém, nem sempre é assim. Tenho ações que há dez anos esperam para ser julgadas”, diz. Isso, conforme ele, acontece porque, nos últimos dez anos, a demanda de pessoas entrando com ações no juizados especiais da Capital aumentou bastante, mas o número de juízes, não.

O juiz e presidente da Associação Cearense dos Magistrados, Ricardo Barreto, destaca que seria excelente se cada unidade do Juizado Especial tivesse disponível um juiz titular e um substituto aos moldes do que acontece na Justiça do Trabalho e Federal, mas, na prática, não é isso que ocorre. Quando um titular entra de férias, um juiz de outra unidade precisa responder por dois. Isso acontece porque há um déficit de 115 magistrados na Justiça Estadual do Ceará. “Temos apenas 380 juízes ativos no Estado. Diante disso, com a demanda exagerada em algumas localizações, as unidades ficam sobrecarregadas”, diz.

Ainda conforme Ricardo Barreto, no mês de maio, haverá um concurso para juízes, contudo, estão sendo ofertadas apenas 25 vagas. Mesmo assim, ele acredita que a Justiça Estadual possa usar o cadastro de reservas e dessa maneira consiga preencher as 115 vagas que estão em déficit no Ceará.

Acúmulo de processos

O titular do 8º Juizado Especial Cível e Criminal, Djalma Teixeira Benevides, explica que, quando assumiu a unidade, em 2000,ela abrangia toda a área do Centro, o que gerava uma demanda demasiada. Ele confessa que cometeu um erro quando não parou de receber novas ações para julgar as antigas.

Após alguns anos, a unidade se dividiu em duas e surgiu o 20º Juizado Especial. Mesmo assim, segundo ele, em 2006, ainda existiam 4.340 ações acumuladas, entre elas a da aposentada Terezinha Maia. Para resolver o problema, o juizado contou com ajuda do o Grupo Auxiliar de Congestionamento de Processos Judiciais da Comarca de Fortaleza, formado por diversos juízes. “Com ajuda desse grupo 228 processos foram julgados. Agora, podemos trabalhar tranquilos”.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Problemas no caminho da Justiça Estadual

Danielmo Vaccari Moraes
Advogado

Entendemos que a maioria dos problemas com atrasos em ações dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais relatados não são de responsabilidade direta dos magistrados que ocupam a titularidade das Unidades e que, em muitos casos, isso é reflexo de uma herança que foi sendo deixada e que somente aumentando o quadro de magistrados e de servidores é que poderá ser minimizada.

Sendo assim, ao que parece, tais problemas se vinculam ao errôneo gerenciamento administrativo do Judiciário Cearense, já apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como um dos mais morosos do País, e que, pelo menos a curto e a médio prazo, só tendem a piorar, uma vez que decorrentes da histórica inércia para a sua constatação e para a adoção de providências.

Em face de tudo isso, fica, até agora, a ideia de que a virtualização não ajudou em nada na celeridade da resolução dos feitos, mesmo em se tratando de Juizados, criados para analisar e julgar de forma mais rápida os casos de menor complexidade, bem ainda que o Tribunal de Justiça precisa, urgentemente, dar uma resposta objetiva à sociedade cearense para as questões que o estão engessando, em todas as instâncias. A sensação que se tem é que, se você estiver no trânsito ou com uma ação na Justiça, você não sairá do lugar tão cedo.

Problemas financeiros tornam inviável a abertura de novas unidades


Em Fortaleza, funcionam efetivamente 22 unidades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cada uma é responsável por determinada área da Cidade. Porém, segundo o juiz membro do sistema de coordenadoria dos Juizados Especiais e da Fazenda Pública, Mário Parente, essa estrutura tem funcionado apenas em parte devido à demanda crescente de ações.

Diante dessa realidade, conforme o juiz, cinco novas unidades foram criadas. O critério utilizado era desafogar as que tinham uma maior demanda, mas, até agora, somente duas delas estão funcionando. A explicação para isso, conforme o magistrado, é a falta de dinheiro para alugar ou comprar imóveis que possam instalar os juizados, além da grande carência de juizes estaduais. “Uma coisa é criar os juizados na lei, outra coisa é implementar. Quando se fala em comprar prédios, a Justiça sempre diz que não tem dinheiro”, esclarece Mário Parente.

Conforme ele, o aumento da demanda é natural e previsível e é de se esperar que o próprio Estado se adapte. Contudo, o magistrado ressalta que o funcionamento dos juizados especiais não depende somente do Juiz titular, mas também de um bom promotor de Justiça, de um defensor público e do corpo de funcionários completo. No entanto, diante da carência de defensores públicos, nenhuma unidade disponibiliza esse serviço.

A solução para implementa-ção dos novos juizados especiais está sendo firmar parcerias com universidades. Assim, segundo Mario Parente, é possível conseguir instalações de baixo custo.

“Fizemos visitas a várias universidades. A ideia é poder baratear o funcionamento e também realizar uma troca com essa instituições. Essas instalações tanto interessam à Justiça do Estado quanto às universidades”, afirma o juiz.

Agilidade

Por outro lado, enquanto em alguns juizados especiais da Capital o sistema de prestação jurisdicional ainda convive com problemas como demora, burocracia e grande número de processos tramitando, a unidade da Maraponga pode ser considerada um exemplo de sucesso.

Um dos segredos desse desempenho, conforme o juiz titular da 2ª Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal, na Maraponga, Carlos Henrique Garcia de Oliveira, é o processo de conciliação e a humanização no atendimento. Porém, acrescenta que conciliar não é fácil, pois é preciso conseguir captar o ponto crucial da demanda.

“A figura do conciliador é fundamental em um juizado. Uma conciliação bem feita evita que o processo passe pelo juiz e acelera a ação”, explica Garcia de Oliveira, destacando que 50% dos processos da unidade são resolvidos na conciliação em uma média de 45 dias.

Diante disso, o juiz tem apenas cerca de 50 processos de 2012 para apreciar, apesar de receber mais de 60 novas ações por mês. O magistrado ressalta, entretanto, que a unidade conta com uma equipe de funcionários bastante comprometida e que essa integração faz com que o trabalho tenha mais fluidez e qualidade. “Nossos servidores são altamente comprometidos. Temos que passar por cima de todas as dificuldades que existem porque estamos prestando um serviço à sociedade”, avalia.

Além disso, outra vantagem que permite a rapidez na resolução das ações da unidade são os processos julgados na própria audiência, ficando poucos para serem apreciados depois.

“A celeridade nos Juizados Especiais dependem de uma conciliação bem feita e do julgamento na audiência, gerando uma economia processual”, diz.

Fonte: Diário do Nordeste