A falta de defensor público nos juizados especiais de Fortaleza tem gerado uma série de ilegalidades. A denúncia é de promotores de Justiça. Das 22 unidades, 14 estão sem defensores públicos

“Absurdo!” é a palavra que mais se repete no discurso do promotor Francisco Xavier Barbosa Filho. A frase também cabe na fala de Antônio Edvando. Ele é outro promotor de Justiça que não se contém, durante a entrevista, ao buscar expressões para definir no que se transformou o cotidiano da maior parte dos juizados especiais de Fortaleza. “Um faz de conta do acesso à justiça, principalmente para pobres”, concordam os dois fiscais da lei, titulares das promotorias da 4ª (Benfica) e 3ª (Mucuripe) unidades, respectivamente.

 Em meio ao rosário de problemas – estruturais e de “vícios profissionais” – Francisco Xavier e Antônio Edvando pinçam a falta de defensores públicos como o gargalo que mais causa prejuízo às vítimas e acusados. Dos 22 juizados especiais, apenas oito contam com o advogado público. “Governo, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça e a Procuradoria Geral da Justiça do Ceará fazem de conta que o problema não existe e estão empurrando, há anos, o caos com a barriga”, denuncia Xavier.

 A ausência de defensores públicos, explica Francisco Xavier, tem adiado seguidamente a realização de audiências, principalmente na área do crime. Há juizados, como a 3ª Unidade, no Mucuripe, que está remarcando datas para daqui a cinco ou nove meses.

 Ou casos ainda piores, exemplo da 1ª Unidade (Antônio Bezerra) que já remarca para 2013. “É criminoso! Prejuízo para vítimas, descrédito e incentivo à impunidade. A desavença entre vizinhos pode evoluir para um assassinato”, constata.

 O cotidiano no Juizado Especial do Mucuripe, área de grande concentração de morros, favelas, conflitos e assistência social precária, é usado de exemplo por Xavier e Edvando para “comprovar a falência dos serviços de justiça oferecidos pelo Estado”. Segundo pesquisa dos promotores, no mês passado, das 48 audiências agendadas 43 não se realizaram. Principalmente por causa da falta de defensor público.

 “Não é invenção, é estatística. 43 processos não alcançaram o objetivo. Todos desassistidos por um defensor público, ou seja, 89,58% de insucesso das audiências criminais”, mensura Francisco Xavier.

 De acordo com o promotor Antônio Edvando e a juíza Cristiane Nogueira – titular do juizado no Mucuripe – há mais de um ano a 3ª Unidade não tem defensor público. Após a licença maternidade, a defensora não voltou nem foi substituída apesar dos ofícios. “Mas antes da chegada desta defensora, passamos mais de dez anos com o cargo vago”, informa Cristiane Nogueira. A defensora da 4ª Unidade morreu há seis meses. Desde então não houve reposição.

 Normalidade

 A postergação de audiências criminais, que virou regra nos juizados que não têm defensores públicos, contribui para a equação da “normalidade”. Segundo Francisco Xavier, hoje, o “normal” na maioria dos juizados é conviver com o “jeitinho que pode dar numa ilegalidade”. Na falta do defensor público, revela o promotor, apela-se para a boa vontade de advogados particulares que vão às unidades acompanhar clientes .

 Onde não há defensor público é comum o juiz nomear um advogado particular para acompanhar audiência ao lado de acusados desconhecidos. O primeiro contato acontece ali, sem tempo para conversa prévia ou leitura do processo.

 Na verdade, critica Francisco Xavier, a presença do “defensor” de última hora é pro forma e, ali, se materializa a “farsa”. “É mentira dizer que o suposto acusado tem defesa. Ele pode, inclusive, dizer que foi coagido no juizado”, aponta.

 A situação é “grave”, insiste Francisco Xavier. Tão delicada, de acordo com o promotor, que virou rotina pedir também “o favor” a advogados para que assinem no lugar reservado à defesa dos acusados. Sendo que em muitos casos, os “colaboradores” sequer participaram das audiências. criminais “Não aceito esse faz de conta. Isso é ilegal e os processos do crime, boa parte deles já julgados, são passíveis de nulidade”, revolta-se o fiscal da lei.

 O POVO enviou, há 15 dias, email com dez perguntas para o Tribunal de Justiça do Ceará. A assessoria de imprensa informou que encaminhou o documento para o responsável pelos juizados. Até o fechamento desta edição, no entanto, as respostas não foram enviadas à Redação do jornal.

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Quando é necessária a presença do defensor

 Na audiência preliminar (primeiro encontro no juizado entre vítima, promotor, acusado, juiz e defensor público) e quando o processo criminal é instaurado.

 Mesmo que não tenha uma acusação na primeira audiência, a Constituição Federal (artigo 72) determina que o acusado tem de estar acompanhado de um advogado. Seja particular ou defensor público.

 Casos que que chegam aos juizados: ameaças, lesão corporal leve, lesão corporal culposa (também provocada por acidente no trânsito), perturbação do sossego (instrumentos sonoros, barulho animal), perturbação da tranquilidade, vias de fatos (discussão com troca de tapas), crime contra a honra (injúria, calúnia e difamação), desacato, desobediência e resistência (ligado à atividade policial principalmente em bairros pobres).

 Em alguns delitos, a autoridade policial só inicia o procedimento se houver a representação (a vontade da vítima de pedir ao delegado a instauração de procedimento). O formulário é preenchido na delegacia. Com a representação, a vítima vai ao juizado. Nos casos de ameaça, lesão corporal leve, lesão corporal culposa, por exemplo, para que o promotor leve o caso à frente, primeiro terá de propor a composição civil.O defensor tem de acompanhar.

 Nas ações públicas e incondicionadas, que não dependem da representação, o promotor oferece a transação penal. Isso se o acusado for primário. A transação é a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito (prestação de serviço à comunidade ou e prestação pecuniária). O defensor tem de estar presente.

Fonte: O Povo