No terceiro dia do julgamento do mensalão, o primeiro dedicado às defesas dos réus, advogados se revezaram na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para convencer os 11 ministros de que o mensalão não existiu.

O primeiro a falar foi José Luís Lima, defensor do ex-ministro José Dirceu, que fez uma apresentação repleta de referências à fala do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Lima atacou Gurgel, dizendo que não usaria Chico Buarque em sua fala, disse em referência à citação ao compositor feita sexta-feira.

O advogado negou as acusações contra Dirceu em cerca de 40 minutos do tempo de uma hora concedido. Em mais uma referência a Gurgel, Lima afirmou que as provas testemunhais, que a procuradoria diz condenar Dirceu, são as mesmas que ele usa para absolvê-lo. “O Ministério Público fechou os olhos para as provas dos autos”.

E concluiu parafraseando a denúncia da procuradoria: “Entende a defesa que o pedido condenação de José Dirceu é o mais atrevido e escandaloso ataque à Constituição Federal”.

Enquanto fazia sustentação oral em defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o criminalista Arnaldo Malheiros Filho , admitiu que houve caixa dois – uso de dinheiro não contabilizado – referente à campanha presidencial de 2002. O defensor negou, no entanto, o esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso em troca de apoio ao governo Lula.

Malheiros voltou-se para o ministro Marco Aurélio Mello e disse: “Eu não quero uma escritura pública, eu não quero uma confissão, mas o mínimo de prova tem que haver”. Ele estava se referindo à entrevista publicada ontem na qual Marco Aurélio declarou que, para condenar acusados por corrupção, como José Dirceu, não há necessidade de prova cabal.

Para alguns juristas, as declarações do ministro soam como antecipação de voto, o que poderia abrir caminho para arguição de seu impedimento nos autos do mensalão.

Para o advogado Luiz Flávio Gomes, juiz aposentado, Mello descumpriu a Lei Orgânica da Magistratura, que proíbe magistrado de comentar o caso que vai julgar. “Ao falar da prova cabal, o ministro caiu na impossibilidade de votar, de alguma forma ele antecipou alguma coisa fora de hora”, entende o jurista Walter Fanganiello Maierovitch.

Operador

Autor de uma das defesas mais esperadas do processo, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, usou todo o tempo concedido para combater as acusações contra o homem apontado como operador do mensalão.

Ele solicitou que, na hipótese de uma condenação, seja aplicada uma “pena base”, a mínima a ser aplicada para cada crime. “A defesa pede a absolvição pelas nove acusações e 11 diferentes fundamentos”, disse.

Leonardo apontou supostas falhas no recolhimento de provas pelo Ministério Público e assumiu a tese de que empréstimos tomados por Valério nos Bancos BMG e Rural foram usados para pagar dívidas de campanha, o chamado caixa dois. Ele ressaltou que foram obtidos créditos de R$ 52,2 milhões e que foram repassados a políticos R$ 50,7 milhões.

Na última sustentação oral, a defesa de Ramon Hollerbach Cardoso, sócio de Valério na SMP&B, disse que não há provas da participação dele.

Genoino é réu por ter sido presidente do PT, diz defesa

Brasília. O advogado Luiz Fernando Pacheco afirmou ontem que o ex-deputado federal José Genoino, cearense de Quixeramobim (a 206 Km de Fortaleza), é réu na ação do mensalão apenas pelo fato de ter presidido o PT na época do escândalo. “Ele não é réu pelo que fez ou deixou de fazer. É réu pelo que ele foi (presidente do PT)”, disse.

Pacheco fez um paralelo com o nazismo para tentar demonstrar que seu cliente foi injustamente processado. “Responsabilidade objetiva nos remete à Idade Média. Queima porque é bruxa. E porque é bruxa que queima. É o direito penal do terror. É o direito penal do inimigo. É o direito penal nazista. É judeu, então mata. E mata porque é judeu. É presidente do PT? Tem que ir para cadeia”, afirmou.

O advogado disse que Genoino não tratava de aspectos financeiros do partido. Essa tarefa, segundo ele, era desempenhada pelo então tesoureiro, Delúbio Soares. Pacheco disse que em 2002 Genoino se afastou das atividades partidárias para disputar o governo de São Paulo.

A defesa sustentou que após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva as finanças do partido ficaram “em frangalhos”. E que para resolver a situação, o diretório do PT fez empréstimos bancários. “São dois contratos dos quais o Genoino foi avalista, contratos esses que foram firmados com o conhecimento de toda a direção do PT”, disse, acrescentando que Genoino nunca tratou do assunto com o publicitário Marcos Valério.

O advogado negou ainda que tenha ocorrido compra de votos de parlamentares em troca de apoio ao governo petista. “A opinião pública há muito tempo se convenceu que o mensalão foi uma farsa”, disse.

Ex-guerrilheiro

Segundo a defesa, não existem provas contra o ex-deputado, acusado de formação de quadrilha e corrupção. Pacheco fez questão de relatar o passado de Genoino na luta contra a ditadura militar. Lembrou que ele chegou a ser preso e torturado. Disse que Genoino é um homem honesto, respeitado e que vive na mesma casa há 30 anos.

Em julho de 2005, José Adalberto Vieira – assessor do deputado José Guimarães, que é irmão de Genoino – foi preso em São Paulo com US$ 100 mil escondidos dentro da cueca. O fato se deu em meio aos desdobramentos do mensalão, denunciado em junho de 2005. Guimarães foi excluído pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) da ação de improbidade sobre o episódio.

FHC diz que duvida de ´absolvição geral´ de réus

Rio de Janeiro. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ter certeza de que “houve crime” e duvidou de uma “absolvição geral” pelo STF. O tucano elogiou a denúncia do procurador geral da República, Roberto Gurgel, lida sexta-feira.

“Depois do que ouvi do procurador, houve crime e crime tem que ser punido”, afirmou. “É uma decisão difícil. A ninguém é prazeroso julgar pessoas que tinham influência na vida pública. Tenho confiança de que o Supremo julgará com serenidade e com justiça. Havendo crime, cumpra-se a lei. Diante do que ouvi, não dá para pensar que vai haver absolvição geral, é impossível”, concluiu.

Tranquilidade

No terceiro dia de julgamento, a Praça dos Três Poderes em Brasília foi dominada por fotógrafos e ambulantes. Não houve manifestantes para protestar contra o risco de a Ação Penal 470 não gerar punição aos 38 réus.

Enquanto advogados aproveitaram o tempo disponível para trocar opiniões, o relator do processo, Joaquim Barbosa, se retirou ocasionalmente do plenário para ser atendido por médicos e fisioterapeutas que o acompanham devido a um grave problema de coluna.

Fonte: Diário do Nordeste