Quando der início à leitura do relatório da Ação Penal 470, às 14 horas, em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa começará a desvendar um dos capítulos mais sombrios e controversos da história política recente do Brasil. Considerado o principal escândalo da Era Lula (PT), o mensalão será julgado a partir de hoje. Os 11 ministros do STF serão algozes de 38 réus que tiveram o nome envolvido no suposto esquema de desvio de recursos públicos para compra de apoio político no Congresso.

O mensalão trouxe consequências. Mais que derrubar ministros, cassar deputados e arranhar a imagem de partidos, as denúncias mudaram o curso da História a partir de 2005, ano em que o caso foi delatado pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ).

O debate sobre financiamento de campanha foi aquecido; o discurso pela moralização do poder ganhou peso – culminando, depois, na aprovação da Lei da Ficha Limpa. Porém, nada disso se compara ao que pode ser considerado o maior efeito do escândalo: a eleição de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência da República.

O mensalão exigiu uma reconfiguração dos planos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tinha em seu ministro da Casa Civil, José Dirceu, sucessor ideal para o comando do Palácio do Planalto. Apontado como chefe do suposto esquema de corrupção, Dirceu foi obrigado a sair de cena abrindo espaço para Dilma.

Em alguma medida, a eleição da petista é produto do mensalão. Há quem avalie que, sem as denúncias, dificilmente ela teria sido deslocada do Ministério de Minas e Energia para a vitrine de maior destaque do Executivo, a Casa Civil. Ali, sua imagem foi moldada e preparada para encarnar o desafio petista da manutenção do poder.

O que está por vir

Agora, reconduzido à pauta, o mensalão volta a dar as cartas – principalmente, em relação ao futuro político dos envolvidos. Está nas mãos dos ministros do STF, por exemplo, o destino de Dirceu, que, maculado pelas suspeitas, hoje restringe sua atuação aos bastidores políticos e aos negócios de sua empresa de consultoria.

Uma vez inocentado, pode ganhar força para voltar a disputar cargos públicos. “Se eu dissesse que o Zé [Dirceu] não gostaria de voltar, estaria mentindo. Até com a Presidência da República ele sonha”, sinalizou ontem o deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP).

As consequências do julgamento para a imagem do PT e do Governo também já são calculadas. O Ministério das Relações Institucionais movimenta-se para traçar uma estratégia de contraponto ao mensalão no Congresso Nacional, para evitar, ou pelo menos minimizar, a contaminação dos interesses do Executivo pela polêmica.

“Vamos enfrentar (o julgamento) com a mesma estratégia que adotamos na CPI do Cachoeira. Vamos trabalhar uma pauta construtiva. Reconhecemos que haverá impacto político, mas nossa agenda será dentro do que o país precisa”, afirmou o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AP).

É possível, ainda, que o mensalão cobre sua fatura eleitoral nas disputas municipais deste ano. Há dúvidas sobre o peso que o julgamento terá no desempenho dos partidos envolvidos na polêmica. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, tem tranquilizado os aliados, otimista de que não haverá consequências graves. Porém, fica a dúvida lançada por Eduardo Braga: “O cidadão comum tem a agenda econômica ou do mensalão como prioridade?”.

Como

ENTENDA A NOTÍCIA

O julgamento do Mensalão terá como pano de fundo os oito anos do Governo Lula, colocando também em xeque o futuro de lideranças petistas e do próprio partido, a depender do resultado dado pelos ministros do STF.

Números sobre o o processo do mensalão

24

acusações de formação de quadrilha

10

de corrupção ativa

13

de corrupção passiva

35

de lavagem de dinheiro

6

de peculato

10

de evasão de divisas

4

de gestão fraudulenta

Cronologia

05/2005. Um vídeo flagra o ex-diretor dos Correios, Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil. Ele pertencia à cota do PTB no governo e, por isso, o caso desviou-se para o presidente do PTB, deputado federal Roberto Jefferson, que se sentiu acuado.

06/05. Jefferson concede uma entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, na qual denuncia a existência do esquema do mensalão. O caso passa a ser parte dos fatos investigados pela CPI dos Correios. O deputado é convocado para repetir sua denúncia.

No depoimento à CPI, Roberto Jefferson dá detalhes sobre a forma de captação de recursos que, depois, seriam supostamente o desviados para parlamentares. Ele cita a participação do empresário Marcos Valério.

O deputado diz também ter recebido uma mala com R$ 4 milhões das mãos do próprio Valério e que os beneficiados faziam saques na boca do caixa em uma agência do Banco Rural que funcionava em um shopping de Brasília.

07/05. É instalada a CPI do Mensalão, cujo relatório, apresentado em setembro, pedia a cassação de 18 deputados. Destes, apenas três (incluindo José Dirceu e Roberto Jefferson) perderam o mandato e, com isso, tiveram os direitos políticos suspensos por oito anos.

08/05. O presidente Lula faz um pronunciamento em cadeia de TV em que se diz “traído” e afirma que o ‘’PT tem que pedir desculpas”, mas não citou nomes.

04/06. O então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, apresenta a denúncia do mensalão ao STF. Ele acusa 40 pessoas de participarem de uma “sofisticada organização criminosa” destinada a “garantir a continuidade do projeto de poder do PT, mediante a compra de apoio político.

08/07. O STF aceita a denúncia de Antônio Fernando. Passa a tramitar a Ação Penal 470. Os réus são acusados de crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e evasão de divisas.

Fonte: O Povo