O FUNDO DA SALA DE AULA

 

Paulo Maria de Aragão (*)

Ser professor é, antes de tudo, assumir o compromisso de formar outros profissionais no cenário da sala de aula, espaço de vivência e interação. Nesse espaço republicano e educativo, lida-se com os desafios que se apresentam, ensejando manifestações culturais diversificadas, renovadoras e independentes de todos. Assim, os atores, professor e alunos, constroem edificantes exemplos para a reflexão sobre o curta-metragem – a vida.

Ao correr das aulas, esses atores deparam com os naturais desafios que se apresentam no processo de ensino e aprendizagem. As relações pedagógicas permitem a avaliação dos mais variados comportamentos idiossincráticas, éticos, distorcidos, mistos… Por vezes, algumas atitudes provocam reações hilariantes, de modo inteligente, com ditos e comentários espirituosos.

Trata-se de oportuna ferramenta, desde que alinhada ao ensino. Proporciona instantes hilários, à semelhança de um megafone, despertador de alunos refestelados nos “travesseiros de alvenaria”, quase já tomados pelos braços de Morfeu. E, ao acordarem, têm as energias revitalizadas, tanto que as faces denotam entusiasmo, vozes soam audíveis e até esquecem o encerramento do horário noturno.

Não raro, sem generalizar, há alunos pouco espontâneos, assim vistos em razão dos olhares e expressões de desconforto. Tudo é ululante.

Eis que é chegado o dia da prova, das temidas e indefectíveis provas… Preliminarmente, abandonam os tradicionais lugares e, ritualisticamente, buscam o fundo da sala, simulacro de concentração, tal qual fosse uma tenda milagrosa.

Permita-se a imagem: dia de prova é ainda dia de provar, o dia em que os faltosos, após os agitos, ostentam o ar austero dos pensadores sobranceiros. Mesmo sem êxito, não se rendem; vão às dicas da internet de como “colar”, apesar de sabê-las de cor.

Os recursos de “colagem” são vários e requintados. Num pestanejar, a aluna puxa uma anotação de dentro da caneta ou da bolsa, a exemplo do mágico que tira o coelhinho da cartola. No entanto, nem tudo é glamour. Baldado o artifício, resta-lhe escondê-la em local íntimo do corpo. Porém, mantém a fleuma, convicta de que ali o professor não se arriscará pôr a mão.

 

Os personagens do fundo da sala de aula, porém, acordaram para a realidade. Hoje são vitoriosas no espinhoso exercício da advocacia. Enfim, conscientizaram-se de que num tribunal não há recônditos reservados, nem internet para guiá-los, porque hão de ser um dos atores principais.

A experiência docente, sobremodo centrada nesse extraordinário espaço de vida, se sensível e atenta a todos os elementos ali postos, constituir-se-á, para sempre, num condão para catalisar o saber, humanizar o ensino e enriquecer o patrimônio espiritual.

O professor que adota postura ditatorial não contribui para o aprimoramento da cidadania e do conhecimento. Deve ser cônscio de que, na arte de ensinar, tem como parelha a incerteza e a dúvida, logo não pode dizer-se o dono absoluto da verdade.

A onisciência é imanente a Deus. Ao professor cabe ser humilde e sincero. Longe de ser o dono da verdade, não tem obrigação de conhecer tudo, há de ter a sabedoria de dizer que vai pesquisar e depois esclarecê-la.

Essa atitude revela a disposição do professor de procurar corresponder à confiança da turma, inclusive dos ocupantes do fundo da sala de aula, e fazê-los ver que, quando se ensina, igualmente se aprende.

(*) Advogado e Professor

Membro do Conselho Estadual da OAB-CE