O BURRO, O REI OU EU…

Paulo Maria de Aragão (*)

No país “rabo de palha”, glorifica-se a desfaçatez; é um sentimento que se generaliza ligado à gestão do “rouba, mas faz”, em que corruptos e corruptores agem à solta, e o cidadão deixa de confiar nas suas instituições.

A mídia denuncia escândalos de dar inveja a qualquer Dom Corleone da vida. Abafa-se um escândalo, rebenta outro. A esperteza entroniza-se, trabalho e dignidade vão para o brejo. Sem acanhamento, um senador sugeriu que os candidatos derrotados fossem “recompensados” com a manutenção de afilhados políticos nos cargos federais.

A corrupção, a violência e a desagregação sociopolítica instauraram-se no país. Queiramos ou não, tudo isso é gerado nas entranhas do governo quando oradores profissionais da verborreia atraem irresistivelmente os incautos com ajudas humilhantes – fontes da ociosidade que embotam a cidadania.

Com essa estratégia, o sistema mantém a ignorância do povo que se contenta com “pão e circo”. O nosso jurisconsulto maior, Rui Barbosa, a respeito dela, disse tudo: “A chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta; e somente esta: a Ignorância! Ela é a mãe da servilidade e da miséria”. E não é à toa que Macunaíma se tornou “herói de nossa gente”.

Nesse ritmo, a insolência retrata a conhecida fábula “O burro, o rei ou eu”: o charlatão jurou fazer do burro um brilhante orador, mas só ao fim de dez anos; a recompensa seria morar com todas as pompas no castelo do rei. Interpelado, certa vez, por um amigo que achava isso uma insanidade, respondeu: “Ora, daqui a 10 anos, o rei, o burro ou eu, um pelo menos há de morrer”. Então, indagou-lhe: “E se isso não acontecer?”. O impostor redarguiu: “Fácil! Eu cuido de matar o burro!”.

Eis a nossa realidade. Fazedores de discursos, populistas, inspirados na própria mentira, germinam promessas mirabolantes focadas no poder; assim, fazer do Brasil um país sério é façanha igual à de fazer um burro falar.

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.