Rapaz executado na saída do Fórum, acusado por chacina, livrou-se de duas preventivas. Juíza justificou que liberdade da quadrilha não colocava “em risco a ordem pública”

Minutos antes de ser emboscado e executado, na saída do fórum Clóvis Beviláqua, Francileudo Ferreira Lima havia conseguido se “livrar” de um segundo pedido de prisão preventiva. Na tarde do último dia 19, data em que foi morto com dez tiros de pistolas ponto 40, Francileudo e um companheiro de quadrilha – Wellington da Costa Cruz – ameaçaram testemunhas de acusação no corredor de espera da audiência, no Fórum. As quatro pessoas iriam depor no processo em que Francileudo foi denunciado por comandar uma chacina, em 12/12/11, no bairro São Miguel, na periferia de Fortaleza. Na ação criminosa, duas pessoas foram mortas e quatro ficaram feridas – entre elas uma criança de 10 anos de idade.

Alertado por dois policiais militares da guarda do Fórum sobre as ameaças, o promotor Francisco Xavier Barbosa, da 5ª Vara do Júri, ouviu as testemunhas e se convenceu de que “a liberdade dos acusados comprometia o andamento da instrução criminal. Principalmente porque a intimidação às testemunhas havia acontecido no espaço físico do próprio Poder Judiciário, momentos antes de começar a audiência. Uma verdadeira afronta ao Estado de Direito”, constata o promotor.

As testemunhas, conta Francisco Xavier, “estavam apavoradas com os acusados Francileudo e Wellington. Sentiram-se intimidadas, vez que os dois e o resto da quadrilha moram no mesmo bairro de quem estava ali para dizer o que viram da chacina de 2011”. Outro fato grave, que reforçaria a falta de temor do grupo de Francileudo em agir no próprio Fórum Clóvis Beviláqua, é que nenhum deles tinha sido notificado pelo oficial de Justiça para ir à audiência.

O oficial informou à Justiça que deixou de intimá-los porque “as testemunhas arroladas pelo Ministério Público estavam bastante receosas com o possível encontro com os acusados”. Segundo o promotor, a situação é incomum. “Não foram intimados e compareceram em grupo. Uma inequívoca demonstração de que as testemunhas estariam intimidadas com a presença deles”.

As ameaças, segundo descreveu o tenente da PM Francisco Silva de Freitas ao promotor, partiram de Wellington da Costa Cruz. O militar viu quando “Welligton desceu a rampa que dá acesso às varas do júri e passou intimidando”. Baseado no que ouviu dos policiais e das testemunhas, Francisco Xavier pediu a prisão preventiva de Francileudo, Wellington, Francisco Jarlan Matos da Silva, Raul Pablo Cunha Costa, Mawenier Ferreira da Costa e Ricardo Rabelo da Silva. “Naquele momento, a instrução criminal já estava prejudicada. Quem iria depor com medo de morrer? Os acusados, permanecendo soltos, abalavam a ordem pública como restou comprovado no decorrer daquele dia”, lembra o promotor.

A juíza Valência Aquino, titular da 5ª Vara do Júri, não entendeu assim. Depois de ouvir os advogados dos réus e de o acusado Wellington da Costa Cruz negar as ameaças, indeferiu o pedido das prisões preventivas. “Penso que conclusões vagas e abstratas a respeito de que a liberdade dos agentes põe em risco a ordem pública ou à instrução criminal não podem respaldar a medida constritiva”, escreveu no termo da audiência.

No mesmo documento, a juíza Valência Aquino elogiou a atitude dos “réus soltos comparecerem espontaneamente acompanhados de seus defensores. O que implica no senso de responsabilidade e de respeito ao poder judiciário”. Além disso, “o fato de as testemunhas estarem receosas em encontrar os acusados é bastante comum na seara criminal. Tanto é que o legislador fez a previsão legal da retirada dos réus da sala de audiência para que as testemunhas possam depor sem qualquer influência ao seu ânimo. Como há também do Governo Federal o programa de proteção”, lembrou Valência.

Aproximadamente 20 minutos após o fim da audiência, na saída do Fórum Clóvis Beviláqua, o táxi onde iam Francileudo Ferreira Lima e Wellington da Costa Cruz foi atacado e alvejado com tiros de pistola ponto quarenta. Eram três homens, supostamente integrantes de uma quadrilha rival (Coqueirinho) que disputa o tráfico de drogas no São Miguel. Francileudo morreu no local. Wellington, apesar do tiro no abdômen, sobreviveu. E o taxista, que nada tinha a ver com o caso, por milagre, escapou.

ENTENDA A NOTÍCIA

Com a execução de Francileudo Ferreira Lima, na saída do fórum Clóvis Beviláqua, outro processo será gerado por causa do terror das gangues da Mangueira e Coqueirinho. A SSPDS não consegue dar fim ao domínio das duas quadrilhas no bairro São Miguel.

2 grupos de traficantes de drogas, Mangueira e Coqueirinho, desmoralizam SSPDS no bairro São Miguel.

2 mortos e quatro feridos. Foi o resultado da chacina praticada pela gangue da Mangueira.

Entenda o caso

19/4/13. Francileudo Ferreira Lima, da gangue da Mangueira, é assassinado com dez tiros de pistola. Ele foi executado na saída do Fórum Clóvis Beviláqua. Francileudo e dois acusados de praticar uma chacina no bairro São Miguel, ocorrida em

12/12/11, tinham acabado de sair de uma audiência. Minutos antes da emboscada, o promotor Francisco Xavier havia pedido a prisão preventiva de toda a quadrilha. Eles estariam ameaçando testemunhas. A juíza Valência Aquino negou pela segunda vez a prisão. A Polícia Civil trabalha com a tese de vingança, que teria partido da gangue do Coqueirinho.

12/5/12. A promotora Marília Uchoa já havia pedido a prisão preventiva da gangue da Mangueira. Francileudo e cinco integrantes da quadrilha foram reconhecidos por testemunhas e, três deles, presos com as armas usadas na chacina em 12/12/11. A juíza Valência Aquino negou pela primeira vez a prisão.

13/9/11. O repórter Tiago Braga, do O POVO, três meses antes da chacina do Bar da Paz, fez reportagem mostrando a disputa pelo tráfico de drogas no São Miguel. Revelou como a população é aterrorizada pela guerra entre Mangueira e Coqueirinho.

Texto: Demitri Túlio