por Vanilo de Carvalho*

Nesta sequência de manifestações que vem abalando o país desde 2013, uma coisa vem chamando a atenção: os inúmeros pedidos de respeito. Respeito aos direitos civis, aos serviços públicos, ao cidadão, às necessidades básicas da população, ao erário. Reputo tais reivindicações “bem como a mobilização popular” como fatores amplamente positivos para o aprimoramento dos nossos processos políticos.

Porém, é possível notar uma característica que incomoda: o alvo dos protestos são poderes e instituições públicas. Claro, é um grande e bom começo. Mas perceba que não pode haver sentido se este grito social não se estender à esfera privada. Porque se há uma indignação contra a corrupção nos governos, por exemplo, é justamente porque este mal privatiza indevidamente o que é de todos. Em outras palavras, quem desvia recursos públicos, o faz priorizando sua necessidade particular e prejudicando a população.

Quantos de nós, em nossas vidas privadas, desrespeitamos o que é público? Quantas vezes desprezamos o direito do outro em nome de nossos desejos e interesses pessoais? É fato que, com a ampliação da influência da mídia, potencializada hoje pelas redes sociais, há um evidente desequilíbrio ou, melhor dizendo, uma confusão latente entre as esferas pública e privada. Até porque o nível de exposição íntima chegou a um nível inusitado. Isso, claro, gera consequências.

São comuns casos de estacionamento em fila dupla em escolas privadas e a ocupação irregular de vagas destinadas a deficientes e idosos. A rua, espaço público por excelência, bem como os lugares determinados em lei, tornam-se privativas de uns poucos motoristas, numa atitude de claro desrespeito. A depredação repetitiva de praças, estádios, jardins, parques mostram um claro despreparo nosso à convivência coletiva. Na outra ponta, considero incômodo o interesse quase mórbido de algumas pessoas sobre a intimidade de outras, mesmo sobre aquelas que fazem da exposição de sua vida um objetivo.

Em suma, quando se fala em liberdade hoje, coloca-se o “eu” no lugar do “nós”. Tal atitude representa um golpe mortal na essência do conceito da política. O desrespeito ao outro é o desrespeito a si mesmo. O outro, nesta ótica, sou eu mesmo. Tudo quanto de sua estrutura vivencial, me traz a intuição plenária, depende da minha própria. No principio é próprio de tal plenitude que toda vivência alheia possa derivar de minha própria estrutura pessoal?

Respeito se constrói no dia a dia, nas pequenas ações, a partir de nós mesmos, e não somente cobrando providências do Estado.

(*) Vanilo de Carvalho é diretor executivo da Escola Superior de Advocacia (ESA) e professor de Direito.

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).