*Robson Almeida

Nos últimos tempos tem acontecido um debate interessante sobre assuntos relevantes para a ciência do direito que instigam a participação de diversos juristas, haja vista a relevância e gravidade que o tema pressupõe, principalmente porque referido debate reflete no “desenvolver” (interpretação e aplicação do direito) da atividade jurisdicional.

Inúmeras e contraditórias são as opiniões e orientação sobre judicialização da política e das relações sociais e ativismo judicial na teoria constitucional contemporânea, ora no sentido de que ambos são conceitos que se confundem, ora como conceitos que são semelhantes e convergentes e que um pressupõe o outro. Na verdade, o que se almeja com esse pequeno artigo é trazer uma síntese do entendimento de que tais conceitos na verdade não podem se confundir jamais.

Todavia, antes de expor a diferenciação que acreditamos existir entre ativismo e judicialização, é importante contextualizar a expansão global do Poder Judiciário, fato que decorre, em simples palavras, pelo reconhecimento da força normativa das constituições no pós-Segunda guerra mundial, a crise da democracia nas sociedades contemporâneas e do desmantelamento do modelo de Estado intervencionista (Estado Social).

Boaventura de Souza Santos (2014, pag. 22) expõe que, em boa parte, o protagonismo judicial tem ocorrido principalmente por dois fatores: a mudança de um modelo de desenvolvimento que se embasa nas regras de mercado, o que exige um judiciário mais eficaz e rápido para responder as demandas capitalistas e pela precarização dos direitos econômicos e sociais, o que motivou a explosão de litigiosidade enfrentada nos dias atuais.

Assim, o Judiciário tem assumido um papel importante na consolidação e concretização dos direitos fundamentais em razão do “vazio provocado pelo desmantelamento dos vínculos sociais contemporâneos e pela atuação do Estado Social, o qual suprimiu as possibilidades de participação política, esgotando e determinando o declínio da cidadania ativa” (SPENGLER, pag. 138, 2010).

Portanto, temos que o fenômeno da judicialização refere-se a incompetência do Estado e suas instituições na preservação concreta e eficaz dos direitos fundamentais-sociais, que demandam uma intervenção precisa Judiciário, o qual se torna última instância e arena pública em que se digladiam os atores sociais contemporâneos na disputa sobre a ação governamental planejada (políticas públicas) e sobre as relações sociais e políticas. Nesse sentido, no Estado Democrático de Direito, ocorre um deslocamento do polo de tensão do Executivo para o Judiciário.

Em suma, a judicialização é um fenômeno que não depende exclusivamente do Poder Judiciário, mas do próprio estado e suas instituições. Por um lado expressa algo positivo, haja vista que o Judiciário está sendo demandado e tem respondido, apesar de todos os entraves, o que demonstra o seu funcionamento e importância democrática. Porém, expressa também um lado negativo, posto que demonstra a ineficiência dos outros poderes estatais, locais tradicionais de poder, em garantir os direitos sociais, através das políticas públicas.

É evidente que essa ampliação objetiva do Poder Judiciário, na tentativa de compensar esse “déficit democrático” (SPENGLER, 2010) não pode ser confundida com o ativismo judicial.

Embora exista que defenda que são conceitos semelhantes e convergentes, em que o entendimento se concentra em afirmar que a judicialização leva a um aumento dos poderes do juiz (tribunais), o ativismo, como uma das facetas do protagonismo judicial (Lenio Streck entende que o protagonismo judicial é gênero do qual ativismo e judicialização são espécies) não integra o fenômeno da judicialização.

De modo bem simples, o ativismo judicial pode ser considerado como o comportamento judicial (ato de vontade) que assumem os magistrados configurando-se na utilização de critérios não jurídicos para decidir os casos objetos de judicialização.

Na verdade, o ativismo expressa uma prática do positivismo normativista no sentido de que acredita que na decisão judicial pode estar presente critérios subjetivos do julgado em contraposição do próprio direito.

Como ato de vontade, significa dizer que o julgador poderá escolher, dentre diversas possibilidades dentro da moldura da norma, uma que entender a mais adequada para o caso concreto, utilizando do seu próprio subjetivismo como critério de escolha. (KELSEN, 2014)

Percebe-se, então, que, no ativismo, existe uma forte tendência de solipsismo interpretativo, traduzida em uma substituição do direito por aquilo que o julgador, acredita que é o mais justo ou o mais acertado, de acordo com critérios que subjetivos ou convicções pessoais, o que tem como resultado o enfraquecimento da democracia, no que tange a produção democrática do direito. (STRECK, 2014, pag. 41)

Dessa forma, o direito passa a ser conceituado como aquilo que os tribunais dizem que é, desprezando o real sentido da Constituição e da legislação infraconstitucional. Representa, portanto, um atendado ao Estado Democrático de direito, cujo fim é o império do decisionismo, que fragmenta o direito.

Por fim, é importante realizar a diferenciação da judicialização e ativismo para que a crítica, quando formulada, mormente no que se refere a este, como faceta discricionária da atuação jurisdicional que ofende a democracia, não seja maculada no seu ponto de partida. Para um aprofundamento do tema, indicamos a leitura de Ronald Dworkin (Levando os direitos a sério) Lenio Streck (Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica), Clarissa Tassinari (Jurisdição e ativismo judicial: Limites da Atuação do Judiciário) e Rafael Tomaz de Oliveira (Decisão Judicial e Conceito de Princípio)

REFERENCIAS

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma Revolução Democrática da Justiça. Coimbra: Almedina, 2014.

SPENGLER, Fabiana Marion. Da Jurisdição à Mediação. Por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.

STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

*Advogado (OAB-CE nº 21.428). Procurador Municipal, mestrando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul-RS, pós-graduação em Processo Civil e em Gestão Pública.