Gilvando Figueiredo Junior*

Não há ilegalidade na cumulação da cobrança de multa moratória, com juros de mora, além de multa compensatória que pode chegar a 10 (dez) vezes o valor da taxa condominial, quando da inadimplência reiterada na pagamento das taxas de condomínio.

Foi assim que decidiu recentemente o STJ, ao julgar o REsp 1.247.020, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão. Vejamos:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.”

A controvérsia na querela judicial girava em torno, principalmente, da (im)possibilidade dessa cumulação de sanções que estão previstas nos artigos 1336 e 1337 do Diploma Civil de 2002.

Como bem se sabe, o pagamento regular da taxa condominial é obrigação / dever inafastável de cada um dos proprietários ou possuidores que habitem imóvel em regime de condomínio edilício, conforme previsão expressa no art. 1336, inciso I, do Código Civil.

Ao não honrar com o pagamento de sua contribuição mensal no condomínio, inicialmente, estaria sujeito o condômino às sanções previstas nos §§ 1º e 2º, do art. 1336 daquele diploma legal: (i) multa moratória de 2% sobre o valor do débito e (ii) juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês .

Porém, se o condômino, arbitrariamente e de forma reiterada, passa a não honrar com o seu compromisso financeiro perante o condomínio, estará o mesmo, a partir de então, sujeito às penalidades mais drásticas previstas no art. 1337 do Código Civil, que podem chegar à multa de 10 (dez) vezes o valor da taxa de condomínio, atentando-se, porém, para a necessidade de aprovação dessa sanção financeira mais rígida por um por quórum qualificado de condôminos, regulada neste dispositivo legal.

Tal entendimento se consegue extrair da própria letra da lei, sem maiores dificuldades de interpretação, inclusive. Todavia, como dito acima, o cerne da questão sobre o qual teve de se deburçar o STJ dizia respeito à possibilidade, ou não, de haver a cobrança conjunta das penalidades previstas nos dois dispositivos legais acima tratados. Haveria bis in idem nessa cumulação?

Ao apreciar a questão, aquela Corte Superior entendeu que a cumulação das sanções previstas nos artigos 1336 e 1337 do Código Civil é, sim, permitida.

Porém, ela se opera apenas nas hipóteses de devedores contumazes, ou seja, naqueles casos em que a inadimplência ocorre reiteradamente e de forma arbitrária, de maneira tal que acaba por restar comprometida gravemente a convivência harmônica dos mesmos com os demais condôminos, em sério prejuízo ao que chamamos de “solidariedade condominial”.

 

É que nessa situação de inadimplência contumaz em relação ao pagamento das taxas condominiais e em várias outras de maior gravidade nos condomínios edilícios, surge a figura do “condômino nocivo” ou “condômino antissocial”, conforme o magistério de Flávio Tartuce (TARTUCE, Flávio. Direito civil – Direito das coisas – volume 4. São Paulo: Método, 2015, p. 318).

Isto porque a convivência do homem em sociedade tem como exigência fundamental a estipulação de normas de conduta, visando a promover a coabitação harmônica entre os seus integrantes. É nesse prisma, portanto, que o legislador buscou repelir condutas que tornem insuportáveis ou que coloquem em risco a manutenção mínima do próprio condomínio. Não há dúvida que a falta de saúde financeira de um condomínio, motivada pela inadimplência de seus moradores, pode comprometer essa harmonia.

Avançando na análise, tem-se que não há de se cogitar na ocorrência de bis in idem, ao se promover a cobrança cumulada de multa moratória (§1º, do art. 1336, do CC) com a multa compensátória (art. 1337). Há clara diferença entre elas, e os fatos geradores são diferentes, inclusive.

Enquanto a primeira vem com a intenção de repelir a falta no cumprimento do dever do condômino; a segunda vem para desestimular a prática reiterada (contumaz) desta grave falta. Lembremos, ainda, que a primeira tem natureza jurídica moratória, ao passo que, a segunda, tem caráter sancionatório.

Vale ressaltar que presente entendimento possui clara índole constitucional, na medida em que prestigia o princípio da boa-fé objetiva – especialmente na vertente da cooperação e da lealdade que deve haver entre os sujeitos de um condomínio -, bem como o principio da moralidade, que sempre deve haver nas relações, sejam elas negociais ou não.

Assim, pelo o que se discorreu acima, penso que caminhou bem a decisão do STJ ora comentada, que, certamente, vem para ajudar no combate à “falência financeira” de muitos condomínios no Brasil.

* Gilvando Figueiredo Junior é advogado, especialista em Direito Imobiliário, integrante e sócio fundador de VALMIR PONTES, ALCIMOR ROCHA – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, em Fortaleza/CE.