A saúde é fonte de variadas discussões e entendimentos diferenciados, principalmente quando se trata de implementar ações que possam subsidiar resultados positivos.  Já que saúde é um direito de todos, é razoável discutir a participação dos homens, haja vista que as ações relacionadas à saúde masculina têm sido pouco abordada e discutida.

Ao discutirmos as políticas públicas de saúde voltadas ao homem – sexo masculino – queremos evidenciar que homens e mulheres necessitam e precisam ser vistos singularmente  no trato das relações sociais, pois, entendemos ser primordial ter a saúde como satisfação humana.

Levando em conta diversas literaturas, bem como no entendimento de pessoas leigas, a população masculina vem sendo culpabilizada pelos danos causados à própria saúde. Destacar a saúde do homem não significa mostrar ganho ou perda de valores, mas significa mostrar a necessidade e a importância de posicionamentos que enfoquem a saúde da mulher e a saúde do homem de forma igualitária, desde que tais posicionamentos não percam a perspectiva relacional entre os gêneros e não se distanciem da promoção da saúde, voltada para as necessidades humanas em geral.

Permanecer com o entendimento de que a saúde do homem não é interessante, é um grande risco para a saúde pública e para o próprio homem. O ônus de achar que o homem é um ser forte e heroico, além de não ser verdade, pode custar caro para o próprio homem e para o Estado.

O comportamento cultural do sexo masculino pode criar  dificuldades na adoção de práticas de autocuidado, pois à medida que o homem é visto como forte, viril, invulnerável e provedor, procurar o serviço de saúde, numa perspectiva preventiva, poderia associá-lo à fraqueza, medo e insegurança.

Apesar das altas taxas de mortalidade masculina e um peso significativo nos perfis de morbimortalidade, observa-se que a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é menor do que a das mulheres. Há indicações que os homens morrem mais do que as mulheres e mais cedo, por ser homem. O ser forte e invulnerável é acometido mais gravemente e, muitas vezes, por doenças que poderiam ser evitadas, caso houvesse assistência preventiva.

A ausência do homem nos serviços de saúde tem uma forte ligação com a cultura machista, haja vista que boa parte dos homens tem vergonha de expor o seu corpo perante o profissional de saúde, particularmente quando se trata de prevenção ao câncer – CA de próstata. De acordo com o Ministério da Saúde-MS, em  2016 há estimativas de que haja aproximadamente mais de 2500 novos casos de câncer de próstata no Ceará e no Brasil quase 70 mil homens serão acometidos. Salientando que que o câncer de próstata é segunda causa de morte por câncer entre os homens, perdendo apenas para o de pulmão.

A falta de atenção ao público masculino reflete em uma desqualificação dos homens para esta perspectiva assistencial. Nesse sentido, não se valoriza e nem se vê como pertinente que os homens sejam alvos de atenção e intervenções nos serviços de saúde, principalmente quando se trata de atenção primária, o que torna o homem invisível perante os sistemas de saúde, seja público ou privado.

Em sendo assim, necessário se faz que haja políticas públicas de saúde voltadas ao sexo masculino. Para tanto, é primordial pensar em estratégia e em organização que possam influenciar o homem a não caracterizar sua presença nos serviços de saúde somente no aspecto curativo, restaurador, ou seja, tardiamente recuperar sua funcionalidade. Conscientizar os homens da necessidade de ações preventivas em relação a sua saúde pode ser o primeiro passo para diminuir a sobremortalidade masculina.

A saúde do homem é um desafio para as políticas de saúde, onde se mostram visíveis as diferenças entre homens e mulheres quando se trata do seu acesso aos serviços de saúde. Sob o enfoque biológico, podemos citar uma maior predisposição para ocorrência de doenças graves, e no social, o sexo masculino tende a apresentar um comportamento mais arriscado, favorecendo condutas agressivas, fortalecendo o índice de mortes por causas externas – não biológicas.

O Ministério da Saúde – MS já reconhece que os agravos do sexo masculino constituem problemas de saúde pública. Muito embora ser um grande avanço, é preciso atrair a população masculina para garantir seu direito à saúde. Conscientizar e sensibilizar os homens para o reconhecimento de suas condições sociais e de saúde é também exercer a prática dos direitos da cidadania.

Tratar a saúde do homem como um problema de natureza pública requer trazer a baila várias discussões, tais como: informação; comunicação; articulação entre entes constitucionais e sociedade civil; qualificação de profissionais de saúde; avaliação do sistema de saúde com vista à participação do homem, dentre tantas outras. Ações para assistir o sexo masculino, diga-se ainda no campo teórico, buscam romper os obstáculos que impedem os homens de frequentar os consultórios médicos. Relata o MS, que a cada três adultos que morrem no Brasil, dois são homens, dados de óbitos referentes ao ano de 2005, o que não difere muito dos dados atuais.

É forçoso levar em consideração que garantir a saúde do homem e o acesso do mesmo nas instituições de saúde não é mero favor, que depende das vontades dos gestores de saúde, dos governantes, das mulheres e dos próprios homens, é uma obrigação constitucional, uma prerrogativa legal, um direito estabelecido, uma garantia de vida longa e bem-estar de todas as formas, pois a sobremortalidade masculina reflete no modo de viver não só no próprio homem, mas de toda a sua família.

Partindo do pressuposto de que os seres humanos são iguais perante a justiça, só pode ser justa uma distribuição igualitária dos serviços de saúde se a igualdade entre gêneros for estabelecida ou efetivada. Havendo desta feita, há necessidade de implementar políticas públicas que possam interferir positivamente na saúde do sexo masculino. Não se pode fugir da responsabilidade de questionar as relações sociais ou mesmo da influência negativa dessas, quando não há perspectivas ou ações eficazes em prol da saúde do homem.

Face a crescente temática ou problemática em relação à saúde do homem, é necessário criar meios ou negociação entre os diferentes setores da sociedade, com o intuito de pressionar a transformação qualitativa dos processos de gestão, não apenas para a efetividade da política de saúde do homem, mas, também, para o alcance de objetivos mais amplos orientados ao desenvolvimento social. É necessário declarar que as decisões em matéria de saúde pública passaram a envolver diferentes atores, impondo modificações significativas nas formulações das políticas de saúde, com importantes inovações institucionais.

O foco específico na relação homem e saúde vem ocorrendo, nos últimos anos, tanto nos meios acadêmicos quanto no âmbito dos serviços de saúde, pois a inclusão da temática “homens e saúde” poderá ter como resultado a participação dos homens no alcance dos objetivos programáticos das organizações e instituições de saúde, pois deixar de reconhecer o homem como problema é diminuir os  contrastes do sistema de saúde público.

É importante considerar que a menor sobrevida masculina é quase sempre aceita sem muita discussão ou questionamentos, atrelados a este entendimento os fatores biológicos e culturais. Não se pode desprezar ou negar a existência do fator biológico, no entanto, o enfoque de gênero não pode deixar de ser considerado quando se deseja caracterizar e analisar a saúde do homem e da mulher. Somos sabedores que existem variados preconceitos em relação ao feminino, mas há também que se reconhecer sua existência contra o masculino, gerando assim, um processo de discriminação.

Incluir a participação do homem nas ações de saúde é, no mínimo, fazer justiça e desafiar questões culturais, por diferentes razões, pois, o cuidar de si e a valorização do corpo no sentido da saúde, são questões pouco abordadas e pouco praticadas na socialização dos homens.

Tomando-se em particular as questões da promoção e prevenção da saúde, percebemos que os efeitos do movimento de incluir o homem no debate sobre saúde não se restringem à saúde masculina. Entendemos que, por consequência, a saúde feminina também ganha e avança na medida em que se consegue a participação masculina.

Em conformidade com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE/1998, no que se refere aos motivos para utilização dos serviços de saúde, estudos mostram que as mulheres procuram mais os serviços de saúde para realização de exames de rotina e prevenção (mulheres, 40,3% e homens, 28,4%), e os homens mais por motivo de doença (36,3% e mulheres, 33,4%).

É evidente que a preocupação com a saúde do homem tem sido deixada de lado, muito embora, recentemente venha sendo motivo de pesquisas e de debates com intuito de mostrar as motivações e argumentos para a pouca responsabilidade dada à saúde do homem. Resta, no entanto, a sensibilização das políticas públicas que, por não atenderem às necessidades de saúde desta parcela da população, reforça o preconceito social não lhes ofertando, de forma eficiente e igualitária, serviços de atendimento compatíveis com suas necessidades.

Deste modo, concluímos que não se pode deixar de lado ou negar benefícios tendo como base as razões desfavoráveis aos homens. Em nome da equidade e do valor ético hoje inquestionável é que cabe ressalvar a iniciativa de se deter e propor caminhos para prevenir ou salvar vidas ameaçadas, atendendo a este princípio.

Desta feita, deve-se levar em consideração a necessidade de mudar tanto o enfoque em relação ao homem, quanto ao funcionamento dos serviços que não priorizam esta parcela da população. O fato de ser imprescindível levar em conta outras variáveis, reforça a intenção de um olhar ético no delineamento de um programa de atenção ao homem, já que a ética se define a partir da preocupação com o outro. Neste caso, o outro está submetido a uma carga pesada, que pode inviabilizar a vontade de mudar o quadro de morbimortalidade masculina.

A saúde, indiscutivelmente, é direito fundamental, sem distinção de cor, sexo, ou de qualquer outra forma que dificulte a condição e acesso à saúde. A atual CF consolida o princípio da dignidade da pessoa humana, no entanto, o direito à saúde no Brasil não tem aplicabilidade imediata, tem eficácia contida, necessitando assim, de meios, vertentes, que facilitem o desenvolvimento de ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde da população.

A Constituição Federal de 1988 é uma das mais avançadas em relação à proteção dos direitos fundamentais. Isso, no entanto, não é suficiente para que se verifique a real eficácia dos mesmos, haja vista que, especialmente em países emergentes, é latente a desigualdade entre classes, a exclusão social e marginalização da população carente.

Quando se fala em direito e saúde, podemos recorrer a Constituição Federal que preconiza a igualdade entre as pessoas. No entanto, muitas vezes o direito positivado, instituído, não é suficiente para garantir essa igualdade e, neste momento, se faz necessário a interferência do Estado através das políticas públicas.

Política pública pode ser definida como, o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, no caso brasileiro, nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem coletivo e com o intuito de manter o equilíbrio social e modificar da realidade.

Assim, é necessário apostar e acreditar que o ser humano requer cuidados e que o ato de cuidar é de responsabilidade não somente do próprio homem, quanto indivíduo, mas do Estado, como garantidor de saúde preventiva. É importante considerar que as pessoas têm direito ao acesso à atenção dos serviços de saúde para o restabelecimento de sua condição fisiológica normal, garantindo igualdade de oportunidades, que são as características de sociedades democráticas.

Finalizando, é primordial um repensar sobre todas as questões levantadas em relação à saúde do homem. Cabe aos homens e às mulheres mudarem seu enfoque em relação ao seu estilo de vida ou de comportamento de modo que não produza prejuízo para ambos. Vale salientar, que o prejuízo de uma política discriminatória faz com que a mulher pague com a desvalorização de seu papel social e o homem pague com sua vida. Além do que, nada mais justo que estabelecer as relações de direito previstas na Constituição, que preconiza que todos têm direito a saúde, sem distinção de sexo, cor ou raça.

 

Reginaldo Vilar Fontenele de Albuquerque

Mestre em Planejamento em Políticas Públicas

 Advogado e Conselheiro da OAB CE

Presidente da Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos.