Neste ano de 2018, principalmente em razão das eleições, acentuaram-se as discussões sobre a díade “direita” e “esquerda”, gerando uma infindável gama de argumentações e situações debatidas que supostamente caracterizariam uma predisposição determinadora de uma ou outra posição política.

As redes sociais se tornaram a grande arena de debate público das pessoas que intentaram a todo custo convencer, de forma até mesmo contundente ou se utilizando de fake news, sua visão de mundo, envolvendo questões sensíveis como política, sociedade, Estado, direito, economia…etc.

Nesse cenário, é importante, para que se busque uma possível hipótese para a pergunta-título deste artigo, recorrermos às abordagens mais abalizadas para estabelecermos o “aguilhão semântico” (DWORKIN, 2014) do que seja o nosso lugar de fala, e assim, determinar as ideias e os conceitos do que sejam a “esquerda” e a “direita”.

Conforme Bobbio, o critério de distinção dessa díade é “a diversa postura que os homens organizados em sociedade assumem diante do ideal de igualdade, que é, com o ideal de liberdade e o ideal da paz, um dos fins últimos que os homens se propõem a alcançar e estão dispostos a lutar” (p. 95), reafirmando sua tese de que o “elemento que melhor caracteriza as doutrinas e movimentos que se chama de ‘esquerda’, e como tais tem sido reconhecidos, é o igualitarismo, desde que entendido, repito, não como uma utopia de uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência, de um lado a exaltar mais o que faz os homens iguais do que os faz desiguais, e de outro, em termos práticos, a favorecer políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais.” (p.110)

Sendo assim, a esquerda tenderia a ser a posição política que pressupõe que a maior parte das desigualdades, que gostaria de fazer desaparecer, são sociais e enquanto tal, elimináveis”. (BOBBIO, 1995).

Portanto, para esse autor, a “esquerda” defende a igualdade e luta por uma justiça social, não tendo a “direita” como prioridade a igualdade, destacando a desigualdade como um processo inevitável e, muitas vezes, aceitável.

Bresser-Pereira (2006) por sua vez, afirma que a direita é o conjunto de forças políticas que visam assegurar a ordem, sua principal prioridade, em um Estado capitalista e democrático, enquanto a esquerda é formada por aqueles que estão dispostos de arriscar a ordem, ate certo ponto, em nome da justiça.

Ressalte-se por oportuno que a figura central do Estado e o seu papel na condução da sociedade também é importante para uma distinção díade. A “esquerda” atribui ao Estado contemporâneo um papel fundamental na redução das desigualdades sociais e na busca de mais igualitarismo, principalmente aos atores sociais dos movimentos das minorias, já a “direita”, cujo objetivo principal é manter a ordem e a tradição, defende um Estado mínimo e aposta no mercado como ordenador da vida social. Em síntese, a direita deseja igualdade de oportunidades e a esquerda, igualdade de resultados.

Na visão de Ribeiro (2017), não é que a “esquerda” idolatre o Estado ou o considere acima de todas as coisas, é que ela percebe a organização estatal como o instrumento mais adequado para controlar o mercado e realizar a democracia.

Na evolução do fenômeno estatal, é perceptível a convergência de objetivos entre a “esquerda”, nos conceitos apresentados, com a ideia de Estado social ou Estado do bem-estar social. Esse modelo estatal se caracteriza pela intervenção na economia e sociedade como tentativa de proteção social, com garantia de direitos de feições marcadamente coletivas para a satisfação das necessidades da sociedade de uma forma geral (previdência, assistência, moradia, transporte, educação e saúde), mas principalmente, protegendo àquelas classes menos favorecidas, o que não significa dizer, frise-se bem, que o Estado social é um Estado socialista, tampouco comunista. A grande diferença é que aquele modelo estatal adere à ordem capitalista, “princípio cardeal a que não renuncia”. (BONAVIDES, 2014, p. 184). Pelo contrário, atua necessariamente aliando as políticas públicas de intervenção na sociedade e no mercado, na tentativa de mitigar os conflitos sociais e conciliar os interesses do capital e do trabalho.

Diante disso, é fácil constatar que os termos “direita” e “esquerda” são antitéticos, que demonstram a disputa de ideologias e movimentos que se referem aos pensamentos, discursos, comportamentos e às ações políticas, o que, em tese, não poderia ser utilizada para classificar ou mesmo caracterizar cartas constitucionais, embora sejam elas que tem a pretensão de regular o jogo da política enquanto norma diretiva fundamental.

De fato, a nossa Constituição Federal, fruto de uma evolução histórica que acompanha o movimento constitucionalista ocidental, por ser eclética quanto à sua dogmática, tenta mediar diversas posições sejam elas políticas, econômicas ou sociais. Da mesma forma em que prescreve que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, afirma também que a mesma ordem econômica tenha como fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Determina como fundamental o direito à propriedade privada, ao passo que essa mesma propriedade deva atender a sua função social. Constitui como objetivos da República brasileira construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ao garantir direitos fundamentais-sociais, condiciona a atuação dos poderes públicos, através de políticas, a concretizarem tais objetivos através da implementação desses direitos. Determina a atuação do Estado como agente normativo e regulador de atividades interventivas, com a exploração direta de atividade econômica, supervisão e coordenação da política econômica, monetária e financeira, fomento a setores do mercado, protegendo, do outro lado, os direitos fundamentais individuais e coletivos contra qualquer situação arbitrária e abusiva. Além de instituir um sistema de proteção social, incluindo previdência, saúde e assistência social, bem como tutelando os direitos à educação, cultura, desporto, ciência e tecnologia, comunicação social, meio ambiente, família, criança, adolescente, jovem e idoso e os índios. Enfim, entre outras tantas, são inúmeras as tarefas concebidas pela nossa Constituição aos poderes públicos e à sociedade.

Portanto, a nossa ordem jurídica, longe de se enquadrar em conceitos ou ideologias que limitam uma visão da multifacetada e complexa sociedade brasileira, não pode e não deve ser observada como de uma ou outra ideologia exclusiva. Na verdade, como diz Lenio Streck (1999), o ordenamento constitucional brasileiro aponta para um Estado forte, intervencionista e regulador, tendo o Direito, enquanto legado da modernidade, deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para a implementação das promessas modernas.

De toda forma, creio serem absolutamente negativos os efeitos da afirmação de que nossa ordem constitucional esteja assentada em um só espectro ideológico qualquer. Primeiro, que não é verdade; segundo, porque limita as amplas condições de possibilidades de uma democracia plural, aberta e solidária, assim como é o Brasil. Isso porque nenhuma ideologia isolada ou teoria qualquer pode dar conta da complexidade do mundo. Para um país que temos, a nossa Constituição é, antes de tudo, revolucionária.

Referências.

BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razoes e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Do estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 2014.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O paradoxo da esquerda no Brasil. Revista Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, nº 74, mar. 2006.

DWORIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

RIBEIRO, Renato Janine. A boa política. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

 

Robson Almeida
Mestre em Direito pela UNISC-RS
Pós-graduado em Gestão Pública pela UECE
Pós-graduado em Processo Civil pela URCA