Jovens tombam um após o outro numa sucessão de assassinatos que parece não indignar mais. Famílias enterram seus idosos em rituais de lutos incompletos. Decretos governamentais tomam decisões que, na prática, apontam quem vai viver e quem vai morrer. Na pandemia do vírus e da desigualdade, o racismo estrutural escancara o significado de morar na periferia.

Vivemos a política do “deixa morrer”. Ela se expressa na barbárie e na continuidade da desumanização racial, arrastada desde o período colonial, em que corpos negros pouco importam para o Estado.

Na cabeça de quem faz as contas previdenciárias, as mortes de idosos representam economia, melhora do “desempenho econômico”. Cabe numa planilha a vida dos nossos mais velhos? Nas falas de quem aplaude a truculência das ações policiais contra a juventude das periferias ecoam a política da oferta de opções únicas: justiça ou cemitério. Pode o jovem escolher uma terceira opção: viver de modo pleno?

Cárcere, fábrica ou caixão, parafraseando o clássico Cárcere e fábrica, é o resumo da política do “deixa morrer”. Genocídio da existência subjetiva, da humanidade profunda. É o fim imposto pelas mortes violentas que, somente nos cinco primeiros meses de 2020, vitimaram 798 adolescentes e jovens, entre 12 e 24 anos no Ceará, segundo dados do governo. Entre a hora que você acorda e a que se deita são cinco jovens tombados. E um universo de famílias enlutadas.

A serviço do Estado, pessoas negras matam pessoas negras, numa engrenagem perversa. Somente em abril, foram 35 homicídios em operações policiais: 150% a mais do que em abril de 2019. É o maior número verificado para um mês desde 2013. Também em abril, outros três policiais foram mortos. Policiais, vindos também da periferia, vitimam moradores numa guerra “implantada” por “senhores”.

Enquanto as ruas gritam “Vidas Negras Importam”, somente nos cinco bairros do Grande Bom Jardim já foram 237 mortes pela pandemia. A guerra segue ditada por quem mantém privilégios e leitos de UTI para poucos. Virá a paz de onde se decide quem vive e quem morre?

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Talita Maciel

Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDDCA)