A população transexual no Brasil, para além de enfrentar uma verdadeira luta para viver sua identidade, ainda precisa se deparar com o fato de que o Brasil, de acordo com a ONG Transgender Europe, é o país que lidera o ranking mundial de assassinatos de transexuais.
Sendo submetidas inicialmente a situações de incompreensões e rejeições essas pessoas são sujeitadas a viverem situações de violências não somente físicas. Violências que perpassam a barreira corpórea e desrespeitam o direito à identidade e à dignidade, pois são constantemente marginalizadas e privadas de terem acesso a direitos básicos como o acesso a serviços de saúde e ao mercado de trabalho.

Enraizados em um contexto histórico de desrespeitos às identidades e liberdades, o Brasil possui fortes traços colonialistas e sexistas que contribuem para que essas pessoas que vão contra o padrão sistêmico da cisgeneridade sejam violentadas, sejam por meio de abusos psicológicos, discriminação e, até mesmo, de violência sexual.

O preconceito e a falta de informação corroboram a cultura negacionista de rejeitar à essa população a condição de sujeitos de direito. Somado a isso, nos deparamos com a impunidade, tanto ao deixar de prevenir quanto ao deixar de investigar, sobre os crimes cometidos contra essa população, o que faz transparecer a situação de vulnerabilidade à qual são acometidas.

Como uma das maiores dificuldades que essas pessoas enfrentam ao tentarem exercer suas identidades de gêneros nos deparamos com a exclusão do mercado de trabalho.

Importante frisar que a marginalização do mercado de trabalho, além de também ter de ser necessário levar em conta o contexto sociocultural, é resultado do fato de que travestis e transexuais refutam a cisgeneridade e irrompem a insegurança na estruturação binária de gênero que, até então, era tida como normal pela sociedade.

Sendo vítimas de tantas outras violências institucionalizadas, a maior ruptura tem início na não aceitação dentro da própria família. Sem apoio, elas acabam saindo de casa e se evadindo da escola. Muitas dessas pessoas não conseguem concluir o ensino médio, situação essa que implica diretamente no fato de que grande parte dessa população acaba recorrendo ao mercado informal de trabalho para tentar sobreviver.

Os demais, que procuram uma vaga no mercado formal, acabam sendo submetidos a situações constrangedoras e humilhantes, que sedimentam ainda mais sua segregação.
O preconceito acaba por limitar o trabalho de travestis e transexuais às categorias profissionais convencionadas como apropriadas a elas, ficando restritas às áreas de atuação em que são aceitas ou menos rejeitadas pela sociedade.

As dificuldades surgem desde o momento da contratação, pois muitas empresas falham ao não prepararem seus profissionais para tratar com a diversidade, em seu mais amplo contexto, não capacitando seus recrutadores para acolherem candidatos transexuais e travestis.

É sabido que o mercado já possui uma segregação ocupacional de gênero, sendo agravada essa quando direcionada à população de transgêneros.
Além de ser uma barreira para ingresso nas empresas, a condição de se identificar com uma identidade de gênero diferente, também é elemento que dificulta a permanência dessas pessoas em seus cargos de trabalho e as impedem de progredir.

O não acolhimento em seus ambientes de trabalho, seja por atitudes de seus colegas de trabalho ou de seus gestores, muita vezes, impedem que essas pessoas perpetuem em suas vagas e não ascendam profissionalmente.

Enraizados em uma sociedade de sistema hegemônico binarista, muitos dos empregadores encontram dificuldade ao abordarem os profissionais travestis e transexuais quanto a questões como o uso do nome social e uso do banheiro, o que faz com que esses espaços sejam vistos como lugares hostis e intolerantes.

Essa falta de conhecimento implica na discriminação e no preconceito e se transforma em empecilho à ascensão profissional, acabando por tornar necessária a constante necessidade de afirmação pessoal e profissional em seus ambientes de trabalho.

Somado ao fato da falta de qualificação e baixa escolaridade que acomete grande parte dos profissionais travestis e transexuais, quando admitidos, os trabalhadores ainda são submetidos a condições de trabalho extenuantes e estressantes, com remunerações a baixo da convencional e não têm seu trabalho reconhecido.

Contextualizando tudo podemos entender que o mercado de trabalho formal ainda é exceção para a maioria dessas pessoas, restando necessário a reafirmação da necessidade de políticas públicas que venham impedir que as questões de sexualidade e de gênero sejam tratadas como quesito de diferenciação dos demais trabalhadores, atitudes essas que, por si, já se apresentam como intolerantes à transexualidade.

Em razão das dificuldades e dos entraves aqui expostos 90% da população trans brasileira ainda acaba recorrendo à prostituição como principal forma de garantir a subsistência.

Por mais que aqui não seja possível nos debruçarmos sobre todo o conjunto reflexivo sobre a prostituição, que envolvem os debates históricos do feminismo, precisamos perceber a prostituição em meio a seus elementos históricos, culturais e contingenciais para entender que muitas das pessoas trans que se submetem a tal situação somente o fazem em razão da vulnerabilidade e miséria que são acometidas.

Como único meio para ter acesso a condições de subsistência, mesmo que precárias, que incluam moradia, espaços para realizar seus atendimentos e terem acesso a hormônios e demais quaisquer outros procedimentos, a prostituição deve ser enxergada como elemento de confronto à negligência do Estado ao deixar de fornecer condições básicas para uma sobrevivência digna, assim como também precisa ser vista sob o ponto de vista do avanço e da emancipação do trabalho.

Perpassando a barreira econômica, a vivência da prostituição garante que essas pessoas tão marginalizadas tenham acesso à necessidade instintiva de sobrevivência social, baseada na reprodução da cultura e dos desejos sociais como a luta contra a solidão trans, sendo elemento importantíssimo para seus autoreconhecimentos e nas legitimidades roubadas de suas capacidades e potencialidades.

Refletimos aqui, sobre a marginalização que comumente acaba apenas concedendo um meio de sobrevivência à população de trangêneros: a prostituição.

Dito isso, importante frisar que as pessoas precisam ter direito às suas escolhas, baseado na máxima do princípio da liberdade e igualdade. É importante atentar para que essa escolha seja feita não por falta de opção, como excludente, mas em razão de um leque de oportunidades que a todos deveria ser concebido.

Importante continuarmos compartilhando o conhecimento e prevenindo situações de violência para impedir que a população T continue sendo marginalizada e tolhida de crescimento pessoal e profissional.

Precisamos nos impor contra as injustiças à essa população direcionadas, cobrando do Estado políticas públicas que resguardem não somente os valores, como também os princípios constitucionais, para que seja possível assegurar a todos a honra, a identidade, a privacidade, e sobretudo, o direito de existir, que encontra-se no respaldo jurídico à dignidade, não restando terreno para as diferenças, os preconceitos e o extremismo.

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal O Povo

Jorge Pinheiro e Silva Filho, Secretário Geral da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB; Membro da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do CFOAB; e Conselheiro no Conselho Municipal de Promoção dos direitos da População de LGBT de Fortaleza