Os embates oratórios travados no plenário do tribunal do júri sempre serviram de fonte de inspiração para estudantes e jovens profissionais do direito. Com a minha geração não aconteceu diferente.

Fascinavam-nos os grandes oradores forenses, com sua palavra ardente e fácil, artífices do entrechoque dialético das teses de acusação e defesa de que falava o jurista italiano Francesco Carnelutti, sem o qual não se alcança o ideal de justiça ou alguma coisa próxima desse ideal.

Na cena judiciária cearense de minha tenra juventude, já pontificava, luminosa, a figura do advogado Clayton Marinho, sem dúvida e sem favor, um dos maiores advogados criminais que esta terra já produziu.

Estudioso aplicado do direito penal e dotado de imensos recursos retóricos, encantou plateias, fez nome e escola, nunca se furtando a partilhar seus conhecimentos e vivências com colegas que tiveram a ventura de privar de sua convivência generosa.

Não se deixou intimidar pela ambiência de comoção e revolta popular que se criava em torno de alguns casos de maior repercussão midiática em que atuou.

Nestes momentos, de resto não raros na vida de um advogado criminal, impunha-se, altivo, sabendo como poucos demonstrar com a coragem e a lucidez que lhe eram muito próprias, a essencialidade do papel da defesa no processo penal.

Aguerrido e de verbo candente, conseguia aliar a combatividade que se espera e deseja de um advogado com a lhaneza no trato com os demais atores do processo e o respeito às regras deontológicas que balizam a atividade do profissional da advocacia.

Sua trajetória profissional honra a lição de Rui Barbosa estampada na carta que escreveu em 26 de outubro de 1911 a outro monstro sagrado da advocacia criminal, Evaristo de Morais.

No texto, que passou à história com o título “O dever do advogado”, o patrono dos advogados brasileiros ensina, naqueles começos do século passado, que “Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa.

Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas.

Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade, cujo interesse em todas se deve acatar rigorosamente.”

Nestes tempos em que a formação humanística, a oratória e a boa argumentação, outrora atributos dos advogados, cedem, tristemente, passo a uma formação cada vez mais superficial e tecnicista dos profissionais do direito, a trajetória de Clayton Marinho há de ser lembrada e reverenciada.

Ele deixa um imenso legado de dignidade e coragem cívica a servir de exemplo para os que, como certa vez disse o advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Evandro Lins e Silva, tem “o vício da defesa da liberdade”.

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Hélio Leitão, advogado.