Morreu Clayton Marinho, enquanto a Instituição do Júri Popular agoniza.

Morávamos no mesmo bairro (José Bonifácio) e meu pai, Coronel Gadêlha tinha relação amistosa com sua família, sob a segura batuta do “Seu Marinho”, Oficial de Justiça da velha guarda. Quando ingressei na Faculdade de Direito, no ano de 1970, Clayton Marinho que também fôra Oficial de Justiça como o pai, já despontava com prestígio do Tribunal do Júri. Vocacionado que fui, desde cedo para o mesmo mister, frequentava com assiduidade o velho Fórum Clóvis Beviláqua para assistir a Sessões do Júri Popular onde a sua presença era constante, sempre atuando com invulgar segurança e brilhante eloquência.

Foi ali que, por conta até de nossas relações familiares, iniciamos uma amizade recíproca e sincera. Nos auditórios da 1ª e 2ª Varas do Júri, já tendo concluído o Curso de Direito, no ano de 1975 tive a oportunidade ímpar de receber dele e de outros colegas atuantes na advocacia criminal, lições que tornaram em realidade o meu sonho de exercer a Advocacia Criminal, notadamente, na Tribuna do Júri Popular.

Juntos ingressamos, por Concurso Público, na Defensoria Pública, ele, com a titularidade junto à 1º Vara do Júri da Capital, e, eu, junto à 4ª Vara do Júri, instalada à época. Quando do seu exercício no cargo de Secretário de Justiça, fiquei à disposição do seu gabinete. Também, juntos fomos Conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil. Àquela altura já éramos, além de colegas, amigos na verdadeira acepção da palavra. Estreitamos os laços de fraternidade como verdadeiros irmãos na Maçonaria, e, no dia a dia, inclusive nas rodas boémias.

Tive a grata satisfação de advogarmos juntos em processos da competência do Júri, com incursões no Tribunal de Justiça do Estado, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Federal, onde dividimos tarefas no mais perfeito entendimento, já que formávamos a mesma linha libertária, defendendo sempre o mesmo ideal de Justiça.

No trabalho, numa expressão popular, digo que “tocávamos e dançávamos a mesma música”.  Juntos, frente a frente e em lados opostos do seu birô, redigimos longas petições, em “inexorabilíssimos trabalhos”, na expressão do poeta Augusto dos Anjos. Tínhamos um perfeito entendimento e torno da redação, alternando um e outro no ditado de trechos dos petitórios, até mesmo com empolgação, como se estivéssemos na Tribuna do Júri.

Tudo era digitado com a santa paciência da Claudinha (Claudia Marinho sua sobrinha e nossa colega), que esteve com ele até a última hora.

Muito embora com larga atuação no Tribunal do Júri do Estado, inclusive em outros da Estados da Federação, já rompendo a barreira dos 30 (trinta) anos de atividade na Advocacia Criminal, tive, no meu sentir, o coroamento dessa árdua e honrosa atividade, quando dividi com Clayton Marinho, em algumas oportunidades, os trabalhos na Tribuna do Júri.

Nosso entendimento foi perfeito, na divisão de tarefas e na sustentação de razões, sem que nunca houvesse o mais leve atrito. Ingressávamos na Tribuna com a mesma garra, perseguindo o mesmo ideal, e dela saíamos irmanados, nas vitórias e até mesmo nos eventuais insucessos. Embora, ambos com o temperamento forte e com a natural empolgação inerente aos Tribunos do Júri, formávamos, digo isso com modéstia e subida reverência ao Mestre, uma parelha que impunha, no Júri, o merecido respeito de todos, inclusive, de eventuais adversos.

Foi assim que tocamos a nossa amizade, sincera e desinteressada ao longo dos anos. Tínhamos contato constante, inclusive, já no ano em curso quando trocamos recomendações mútuas de resguardo e cuidado por conta do surto da pandemia, todas as vezes, através do celular, ele no seu Sítio em Pindoretama, que lhe serviu de exílio, e, eu, na Fazenda Riacho Fundo, em Horizonte.

Já nos meados de março, tive conhecimento de sua enfermidade e hospitalização, mantendo a partir de então, contato, quase que diário, com a Claudinha ou seu pai, Álvaro, marido da Cláutenes, irmã do Clayton, e, sua companheira inseparável, ao longo dos anos, na família e em intermináveis serestas. Ambos eram portadores de vozes que nada ficavam a dever aos profissionais do canto romântico.

Diante da gravidade do seu estado de saúde, mesmo sem méritos, diariamente, rezava rogando pela interseção de Nossa Senhora, para que lhe devolvesse a saúde e a vida, com o entusiasmo de um jovem, junto à Ariádne e seus filhos, adolescentes, aos quais dedicava uma extremada afeição. Hoje, ainda cedo, depois de suplicar pela sua recuperação, recebi a notícia de seu passamento. Fiquei atônito e aparentemente tranquilo, mergulhado numa longa e interminável melancolia.

Por incrível que pareça Clayton, não chorei com a notícia da sua morte, e, comentei com os mais íntimos que, até parece, ter essa desgraçada pandemia anestesiado a todos que recebemos as notícias do infausto, como se indiferentes fôssemos. É a herança maldita do vírus que nos impõe a simples tarefa de numerar, em nossas mentes, a sepulturas dos entes queridos, no exercício da “aritmética hedionda dos coveiros” (Augusto dos Anjos).  Agora, meu irmão Clayton, rogo a Deus que, guie dos teus filhos, com a orientação da Ariadne.

A tua despedida, como um dos maiores e mais brilhantes tribunos do Júri Popular, lamentavelmente, coincide com a agonia da Instituição do Júri, que está a sucumbir pela ação dos “tecnojuristas”, indiferentes à Ciência Penal, quando o próprio Supremo Tribunal Federal atinge com um golpe mortal a sua soberania, querendo ditar o expurgo de teses defensivas, como no caso da defesa da honra, razão pela qual invoquei o título dessa homenagem: Morreu Clayton Marinho, enquanto a Instituição do Júri Popular agoniza”. A sua despedida, como a de todos que partem nesse momento adverso,  foi despida de qualquer honraria. Assim meu irmão, concluo recitando a parte final do Eclesiastes, Cap 12, vers. 1 – 7, E o pó volte à terra, como o era e  o espírito volte a Deus, que o deu.”

Juvenal Lamartine Azevêdo Lima

Advogado – OAB/CE 2587