Há 50 anos na OAB, homem começou como contínuo e se tornou “patrimônio humano” da instituição

Corre o ano de 1962. Naquela pequena sala de um prédio antigo no Centro de Fortaleza, adentra um jovem tímido. Acabara de completar 18 anos, vindo de Russas, a 165 quilômetros da Capital. Chegou indicado por uma das duas únicas funcionárias do lugar, que era conterrânea.

Faz uma breve entrevista para entender o que deve fazer um contínuo. A tenra idade e o jeito calado escondiam a experiência profissional precoce de Calvino Pereira da Silva, que, desde os seis anos, começou a conhecer o valor da labuta com o pai.

Vários empregos

“Naquela época, a gente começava cedo”, conta, fazendo um breve retrospecto empregatício. “Atravessava o rio com água batendo no peito para alimentar o gado. Tinha um touro bravo que homem nenhum encostava, só eu, que era menino. À tarde, minha tarefa era de agir como um espantalho para evitar que os passarinhos comessem a plantação de arroz. Ainda fui entregador de almoço, passei por oficina mecânica e até trocador de ônibus”, resume.

Mal sabia ele que, ao aceitar o mais novo ofício, a peregrinação de empregos estaria com os dias contados. 50 anos depois, Calvino continua na mesma instituição, com uma diferença: é gerente geral e está mais conversador do que nunca. Possui uma sala só para ele em um dos prédios da entidade quase octogenária que ajudou a engrandecer. Hoje, em vez de três, são mais de 100 colaboradores distribuídos por Fortaleza e Interior. A história dele se confunde à da “empresa” que o acolheu. Calvino Pereira se tornou referência e patrimônio humano da instituição, a qual, ao longo do tempo, também evoluiu junto do empregado – a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).

Não se aposentou

O “Seu Calvino” não é aposentado porque ainda não quer. Idade e tempo de serviço já lhe sobram. Ele diz que advogados e médicos, respectivamente, continuam recomendando o trabalho para o bem da Ordem e da saúde dele. “Enquanto a OAB-CE me quiser – e eu for útil – vou continuando. Minha ideia inicial era me aposentar neste ano, precisamente um dia depois de completar 50 anos de casa, mas devo ficar mais um pouco”, revela. “Quando me aposentar vou ter mais tempo para as ações da Igreja Metodista, da qual faço parte. Não quero parar”, comenta. Além de dedicar mais tempo ao Protestantismo, religião que abraçou desde criança, e da qual lhe foi dado o nome Calvino, aproveita para descortinar mais dois sonhos que restam ser realizados. O primeiro é voltar a estudar. “Quem sabe um dia posso morrer pelo menos como bacharel em Direito”, sorri.

Sétima arte

O outro desejo é se aprofundar na temática do cinema. Calvino é um admirador da sétima arte desde pequenininho, quando viu a primeira película projetada na grande tela.

Hoje, tem mais de 2 mil filmes em seu acervo pessoal, a maior parte formada de clássicos. Como hobby, também coleciona revistas, vídeos e objetos de épocas passadas, outra mania nascida ainda na infância.

Memorial do advogado

Isso o motivou a idealizar o Memorial do Advogado, criado no ano passado, e do qual ele é o principal anfitrião. Peça a peça, foto a foto, Calvino Pereira vai desvendando a história de cada item do museu.

Alguns utensílios utilizados por ele mesmo como o mimeógrafo da década de 1970 que “custava algo semelhante a um Volkswagen zero Km (Fusca). Tive que fazer um curso para usá-lo”, conta Calvino.

A vida como um filme

Antes de fechar as portas após nova visita ao Memorial, ele confere tudo, checa luzes, ar-condicionado e, mais uma vez, dá corda em duas raridades do espaço. Dois relógios de parede: um de 1824 e o outro do início do século XX. “Toda semana passo aqui e sinto a mesma emoção de sempre. É como um filme a que assisto repetidas vezes. Toda vida a sensação é igual”, suspira.

Fonte: Diário do Nordeste