A comissão de juristas que discute mudanças no Código Penal aprovou proposta que descriminaliza a cópia integral de uma obra para uso pessoal, desde que dispense objetivo de lucro. Você é a favor?

 SIM – Comissão de juristas que estuda modificações no Código Penal formulou sugestão que descriminaliza a cópia privada, sem fins econômicos, de obras protegidas pelo direito autoral. Estou de acordo com a proposta, que facilita o acesso democrático aos bens culturais e simbólicos. Essa hipótese já é prevista na legislação penal.

 A cópia privada é um instituto antigo, oriundo do direito francês. Sob ótica técnico-jurídica, se o Congresso Nacional aprovar a sugestão, que já consta do parágrafo 4º do artigo 184 do Código Penal, continuará o conflito de normas (antinomia). A lei de direitos autorais, 9.610/98, não admite a cópia privada, exceto pequenos trechos. Consequentemente, não sendo crime, restaria o ilícito civil. Na reforma da legislação civil autoral, em andamento, a matéria será atualizada.

 O que nos cabe elucidar é o entendimento equivocado sobre o tema. A cópia privada é aquela que se fazia do disco de vinil para a fita cassete, para ouvir a música no carro, em tempos não tão remotos. Permanecem as vedações para copiar uma fotografia ou um texto de um terceiro, sem autorização, e publicar no blog; copiar música, ou baixar da internet e distribuir para todos os parentes; disponibilizar para download, vender, alugar, sincronizar com obra audiovisual.

 Com denominação precisa, cópia privada é para uso doméstico e exclusivo do copista, sem lucro direito ou indireto. É a aplicação de freios e contrapesos na flexibilização da fruição dos bens culturais, em detrimento da exclusividade do direito autoral.

 A novidade é que a mesma comissão sugere dobrar a maioria das penas dos crimes relacionados aos direitos autorais e reintroduz o plágio como tipificação específica. A regra geral aumentará de um para dois anos de prisão, além dos agravantes. Resta, então, a cautela com a cópia privada. Se a cópia é disponibilizada, de formas mais diversas, fora do âmbito doméstico, pode constituir uma série de crimes com penas aumentadas.

 “Estou de acordo com a proposta, que facilita o acesso democrático aos bens culturais”

 Ricardo Bacelar

Especialista em direitos autorais, diretor e corregedor da OAB-CE

NÃO – Recebeu ampla divulgação na mídia a proposta da comissão de juristas responsáveis pelo anteprojeto do novo Código Penal de descriminalizar a cópia privada de obras intelectuais protegidas, desde que sem intuito de lucro. 

Ainda que a proposta tenha como pano de fundo uma tentativa de modernização da lei penal, a questão reveste-se de complexidade e merece discussão mais aprofundada, sobretudo considerando que tais reproduções acontecem nos dias de hoje no ambiente digital, ou seja, sendo possível realizar cópias de igual qualidade ao original e sem qualquer limite quanto ao número de cópias realizadas.

 Diante desse contexto, deve ser discutida a distinção entre os exemplares de obras adquiridos legalmente e aqueles ilegalmente obtidos em redes de compartilhamento peer to peer ou qualquer outra fonte ilegítima (excluídas, obviamente, as obras caídas em domínio público). Não há dúvidas de que a segunda hipótese é muito mais grave por se tratar de clara substituição à aquisição legítima do produto, em detrimento dos direitos dos titulares. Há de se estabelecer claramente o que constitui “uso privado” considerando que qualquer tipo de compartilhamento ou fornecimento da cópia constitui, novamente, substituição à aquisição legítima do produto, não podendo ser admitida.

 Igualmente, não deve haver qualquer dúvida de que o termo “lucro” refere-se ao lucro direto e indireto, ou seja, a restrição não está limitada à comercialização pura e simples da cópia mas, igualmente, a todo e qualquer ato que traga ao copista alguma forma de lucro.

 Vale ressaltar que a redação atual do parágrafo 4º do artigo 184 do Código Penal já trata a questão da cópia privada de maneira diferenciada ao dispor que as penas mais elevadas por infração de direito autoral (comercialização, disponibilização em rede informática, etc.) não se aplicam à hipótese de “cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto”.

 “A substituição à aquisição legítima do produto não pode ser admitida”

 André Oliveira

Advogado e sócio no escritório

Daniel Advogados

Fonte: O Povo