Projetos em eterno trâmite e leis mortas no papel causam prejuízos ao setor e relegam artistas à informalidade

Não é raro ouvirmos falar de medidas voltadas para a produção, difusão, valorização e democratização de nossos bens culturais, de nossa arte e nossos artistas. Promessas de que dias melhores virão. Hoje, o Caderno 3 volta seus olhares sobre aquelas que seriam as mais concretas e garantidas ações neste sentido, mas que muitas vezes acabam esquecidas: a legislação cultural. Medidas práticas, concretas, por vezes alardeadas como avanços importantes e que, passado o calor da notícia, se perdem nas armadilhas burocráticas do estado de direito.

Neste rol, estão leis municipais, estaduais e federais. Algumas delas, aprovadas há anos como é o caso da Lei Federal nº 11.769, de 2008, que estabelecia três anos para a inclusão da música como disciplina obrigatória nas escolas; ou da lei municipal nº 7.503/94, que obriga em Fortaleza a instalação de obras de artistas plásticos cearenses em prédios públicos e de uso público (leia mais na página 4). Outras, que esperam nas gavetas dos legislativos sem que cheguem a pauta de votação. À exemplo, a Proposta de Emenda à Constituição 150/03, a PEC 150 (que destinaria para a cultura 2 % do orçamento da União, 1,5 % do orçamento dos Estados e 1 %, dos municípios), aprovada em 2009 por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e que até hoje espera apreciação do plenário.

“Os prejuízos são econômicos, para a cultura, e de cidadania, para as pessoas e para o País, em virtude da mensagem subliminar de que as leis podem não ser cumpridas, o que faz com que cada um se sinta no direito de não acreditar no direito vigente”, adverte o professor e advogado Humberto Cunha, especialista em direitos culturais. No plano federal, ele lembra ainda leis como a do Vale Cultura, que também aguarda aprovação, e até uma norma constitucional, prevista no parágrafo 6º do artigo 216, que permite que estados e municípios destinem até 0,5 % de sua receita tributária líquida para fundos de incentivo à cultura. “Isto muito os enriqueceria (os fundos de incentivo). Mas nenhum estado brasileiro utilizou, até agora, esta faculdade”, destaca.

Direitos

O presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Ceará (Sated/CE), Oscar Roney, reclama que, quando se trata da profissão de artista, o retrocesso pelo não cumprimento de leis vara mais de três décadas. A principal luta do sindicato visa garantir o cumprimento da lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que regulamenta o exercício da profissão.

“A nossa grande batalha, hoje, é que se cumpra uma lei que foi aprovada há 34 anos”, lamenta. O Brasil, destaca, é o único país em que a profissão de artista é regulamentada, mas, também, onde esta regulamentação vem sendo recorrentemente descumprida. “Nós batalhamos com as secretarias de cultura e as empresas para que cumpram a legislação. Hoje, tudo é muito informal, não recolhem INSS, tem mania de pagar artistas com recibo”, enuncia.

No Governo do Estado, reclama Roney, artistas e técnicos contratados são registrados em cargos como “operador de equipamentos” ou “auxiliar administrativo”, porque não há cargos específicos para as funções que desempenham no quadro de servidores.

“Um dos iluminadores mais reconhecidos do Ceará é registrado na carteira como ´auxiliar de serviços II´. E o mais grave, o salário dele é muito aquém do que a convenção coletiva determina”, reclama.

Os projetos apoiados pelo Estado, aponta Oscar, também funcionam à margem da legislação, sem que seja exigido contrato formal dos artistas para a prestação de contas. “Eles cobram contrato para tudo, mas não para a contratação de artistas”, questiona.

Fragilidades

Para Oscar, o próprio desconhecimento da lei, por parte dos artistas, dá espaço para o seu descumprimento. Leis como a nº 109/11, que isenta artistas cearenses em Fortaleza do Imposto Sobre Serviço, acabam não sendo aproveitadas. “Foi uma batalha muito grande, mais de sete anos, até que, no ano passado, conseguimos aprovar esta lei. E agora que está valendo, muitos artistas não aproveitam por desconhecimento. Acham que o benefício é automático. E não é. Você tem que fazer a inscrição na Secretaria de Finanças do Município e mostra para contratante que é isento”, lembra.

Uma realidade instável que, para o advogado e presidente da Comissão de Cultura da seção cearense da Ordem dos Advogados do Brasil, Ricardo Bacelar, traduz o valor que se costuma dar ao tema no Brasil. “A cultura não é um item que as pessoas colocam como prioridade. Isso (problemas no cumprimento das vigentes e a demora na aprovação de novas leis) é um reflexo da falta de valor que nós, enquanto povo, enquanto país, damos a ela. Estamos nas eleições, sempre fala em saúde, segurança, mas a coisa cultural vem por último. Em alguns países, existe mais noção da importância em investir (em cultura)”, ilustra.

O advogado, no entanto, faz questão de afirmar que, apesar de todos os problemas, o Ceará passa por um bom momento no que diz respeito à legislação. “Temos uma legislação para a cultura bem à frente do nosso tempo. No geral, ela contempla bem as demandas da sociedade”, e ilustra, “antigamente existia uma política de balcão, não existiam editais e muitos projetos ficavam anos engavetados. Hoje, isso ficou mais fluido”.

Sem resposta

A assessoria de imprensa da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) foi procurada, durante a quinta-feira e na sexta-feira passada, dias 23 e 24, para se pronunciar sobre as questões colocadas na matéria pelo presidente do Sated/CE, Oscar Roney.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste