A polêmica tomou quase toda a primeira sessão e gerou um embate entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski

Fortaleza/ Brasília. A polêmica do primeiro dia do julgamento do mensalão ficou centrada no desmembramento do processo que conta com 38 réus.A questão de ordem formulada pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de um dos réus, tomou quase todo o tempo da primeira sessão.

A discussão do caso levou três horas e adiou o início do julgamento, previsto para ter a leitura do resumo do texto do relator e a fala do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que representa a acusação. Ele só fará a sustentação oral na sessão de hoje à tarde. Terá cinco horas para pedir a condenação dos 38 réus.

O atraso beneficia a defesa que prefere estender o julgamento até meados de setembro após a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, previsto para o início do próximo mês.

Para Bastos, os demais 35 réus que não possuem prerrogativa de foro teriam de responder o processo perante instâncias judiciárias inferiores. O pedido, contudo, foi rejeitado por nove votos a dois, gerando um bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, que são respectivamente o relator e o revisor da Ação Penal 470 (AP 470), o processo do mensalão.

Bate-boca

O revisor se alinhou à proposta da defesa e houve discussão com Joaquim Barbosa.

O relator questionou a postura de Lewandowski, dizendo que ele poderia ter apontado isso há dois anos, quando assumiu a revisão. Mas Lewandowski argumentou que o STF deveria seguir o que fez em ação semelhante e deixar que os réus sem prerrogativa de foro privilegiado fossem julgados pela primeira instância para terem o direito de recorrer.

“Preocupa-me o fato de que se o Supremo persistir no julgamento de réus sem foro, estará negando vigência ao pacto de São José da Costa Rica que lhes garante direito de recorrer no caso de eventual condenação à instância superior, o que pode ensejar reclamação à Corte Interamericana de Direitos Humanos”, disse o revisor. Ele argumentou ainda que não traria prejuízos o envio do processo para a primeira instância, que seria mais rápida do que o colegiado.

“Dialogamos ao longo desse processo e me causa espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento agora quando poderia ter sido feito há sete meses. Poderia ter trazido em questão de ordem”, disse. E completou: “É deslealdade”.

O ministro revisor rebateu. “Eu como revisor ao longo do julgamento farei valer meu direito de me manifestar. É um termo um pouco forte que Vossa Excelência usou e já esta prenunciando que julgamento será tumultuado”, disse Lewandowski.

Ao defender a competência do STF para julgar os 38 réus, Barbosa disse que isso já foi alvo de decisão da Corte. “Nós precisamos ter rigor em fazer as coisas nesse país. O mais alto tribunal do país já decidiu longamente essa questão. Não vejo razão. Parece irresponsável voltar a discutir essa questão”, disse Joaquim Barbosa.

Após o desentendimento, Barbosa chegou a deixar o plenário por 25 minutos. O ministro Gilmar Mendes também não acompanhou parte do voto de Lewandowski, que levou cerca de uma hora e meia.

Avaliação

O jurista cearense Valmir Pontes discordou da proposta de Lewandowski sobre o desmembramento do processo. Segundo ele, embora o argumento do ministro seja consistente, o Supremo Tribunal Federal teve muitas outras oportunidades para se pronunciar sobre o assunto.

“Acho que a decisão da maioria foi correta do ponto de vista formal e também para eliminar o risco de prescrição dos crimes. Se os processos fossem desmembrados e alguns deles julgados em primeira instância, poderia haver demora no julgamento ou decisões conflitantes, o que geraria insegurança jurídica”, avaliou o jurista.

Pontes diz acreditar que a pressão diante do julgamento não vai influenciar ou prejudicar a decisão dos ministros. “Todo julgamento é feito sob pressão, seja das partes envolvidas no processo ou da própria sociedade e os tribunais precisam estar isentos e acostumados quanto a isso. É legítimo que a sociedade reclame uma decisão rápida para isso. É mais que chegada a hora de o Supremo decidir esse caso”.

Para ele, o fato de o processo ocorrer durante o período eleitoral também não pressiona a Corte para buscar maior celeridade. “O que importa é que o Supremo cumpra o seu dever. Quem sofreu as consequências merecerá as consequências”, defendeu.

O jurista Djalma Pinto também condenou o posicionamento do revisor do processo. Para ele, o fato de o Supremo não ter acatado o desmembramento da ação evitou o que seria um mal- estar imenso na nação. “Após sucessivas manifestações que a reafirmaram a competência daquele tribunal, a Corte não poderia voltar atrás para dizer que não seria competente para o julgamento”, afirmou.

Ele também avalia que se houvesse o desmembramento a maioria dos crimes estariam prescritos e “a impunidade estaria, mais uma vez, consagrada na República”.

Encerramento

A primeira sessão foi encerrada com a leitura do relatório de Barbosa. Em quase uma hora, ele citou nominalmente todos réus, lembrando os crimes imputados a cada um. O Ministério Público Federal denunciou 24 por formação de quadrilha, 10 por corrupção ativa, 13 por crime de corrupção passiva, 35 são acusados de lavagem de dinheiro e quatro por gestão fraudulenta.

Barbosa lembrou que nessa ação são avaliados desvio de recursos da Câmara e do Banco do Brasil para irrigar o esquema de corrupção arquitetado pelo publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, e que envolveu o PT e outros partidos aliados no governo Lula (2003-2010).

Apesar de ter sido cogitada, a participação do ministro Dias Toffoli no julgamento não foi questionada pelo procurador Roberto Gurgel. Amigo do ex-presidente Lula e do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, principal réu da ação penal, Toffoli votou a favor de manter o processo contra todos os 38 réus na Corte.

JULIANNA SAMPAIO
REPÓRTER

Com agências de notícias.

Os 38 réus

José Dirceu – Ex-chefe da Casa Civil no governo Lula
Genoíno – Ex-presidente do PT
Delúbio – Ex-tesoureiro do PT
Sílvio Pereira – Ex-secretário-geral do Partido dos Trabalhadores
Marcos Valério – Publicitário
Ramon Hollerbach – Ex-sócio de Marcos Valério
Cristiano Paz – Ex-sócio de Valério
Rogério Tolentino – Advogado, sócio de Valério na SMP&B
Simone Vasconcelos – Diretora administrativa-financeira da empresa SMP&B de Valério
Geiza Dias dos Santos – Ex-funcionária de Valério
Kátia Rabello – Ex-presidente do Banco Rural
José Roberto Salgado – Diretor do Banco Rural
Vinícius Samarane – Ex-Diretor Estatutário de Controle Internos do Banco Rural
Ayanna Tenório – Diretora do Banco Rural
Luiz Gushiken – Ex-secretário de Comunicação Social da Presidência
Pedro Corrêa – Ex-deputado federal pelo PP-PE
José Mohamed Janene – Líder do PP (já falecido)
Pedro Henry Neto – Deputado Federal pelo PP-MT
João Cláudio Genu- Ex-secretário da Controladoria Geral da União
Enivaldo Quadrado – Dono da Corretora Bônus Banval
Breno Fischberg – Ex- proprietário da Corretora Bônus Banval
Carlos Alberto Quaglia – Ex-dono da Corretora Natimar
Valdemar Costa Neto – Deputado federal PR-SP
Jacinto de Souza Lamas – Tesoureiro do PL e assessor do deputado Valdemar Costa Neto, irmão de Antônio Lamas
Antônio Lamas – Ex-assessor da liderança do então PL, hoje PR
Bispo Rodrigues – Ex-deputado federal pelo PL
Roberto Jefferson – Presidente Nacional do PTB, ex-deputado federal
Emerson Eloy Palmieri – ligado a Jefferson e ex-tesoureiro do PTB
Romeu Ferreira Queiroz – Ex-deputado federal e atual deputado estadual em MG
José Rodrigues Borba – Ex-deputado federal do PMDB-PR
Paulo Galvão – Ex-deputado federal PT-PA
Anita Le Costa – Ex-assessora do deputado Paulo Rocha
Professor Luizinho- Ex-deputado federal – PT-SP
João Magno de Moura – Ex-deputado federal – PT-MG
Anderson Adauto Pereira – Ex-ministro dos Transportes
José Luiz Alves – Ex-diretor do Ministério dos Transportes
Duda Mendonça- Publicitário e ex-marqueteiro do PT
Zilmar Fernandes – Sócia do publicitário Duda Mendonça

Fonte: PGR

Os julgadores

Conheça os ministros

Os 11 ministros do Supremo começaram ontem a julgar o maior processo da história da Corte. Hoje os autos já reúnem mais de 50 mil páginas. A Ação Penal 470, mais conhecida como processo do mensalão, alterou significativamente a rotina do Supremo. O Tribunal vem se preparando há meses para a última etapa do processo. A primeira inovação técnica que o mensalão trouxe foi a digitalização integral do processo, prática inédita na Corte. O relator Joaquim Barbosa queria evitar que a retirada da papelada pelas partes pudesse atrasar um processo que já prometia durar além do esperado.

Ayres Britto é o atual presidente do Supremo

Indicado pelo ex-presidente Lula, ele é atual presidente do Supremo. Deve permanecer na Corte até novembro, quando será aposentado. O ministro cobrou rapidez pela liberação do processo do mensalão e gerou mal-estar com integrantes do STF

Cármen Lúcia foi a segunda mulher a ocupar vaga na Corte

Indicada pelo ex-presidente Lula, ela é presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Foi a segunda mulher a ocupar vaga no STF. Em júris recentes, decidiu pela constitucionalidade da Ficha Limpa, pela liberdade de Cesare Battisti, pela liberação da Marcha da Maconha

Celso de Mello é o mais antigo ministro do STF

Indicado pelo ex-presidente José Sarney, é membro da Corte desde 1989. Mais antigo ministro da atual formação, participou de julgamentos e decisões relevantes para a jurisprudência do STF após a promulgação da Constituição Federal de 1988

Cezar Peluso evolveu-se em polêmica com Eliana Calmon

Indicado por Lula, deverá se aposentar neste ano. Recentemente, ficou marcado pelo conflito travado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a ministra Eliana Calmon sobre a forma de atuação do conselho na investigação contra magistrados

Dias Toffoli é o ministro mais novo a tomar posse

Membro da Corte desde 2009 foi o mais novo a tomar posse no STF desde 1988. Seu ingresso na Corte, por indicação de Lula, enfrentou resistências em razão do passado ligado ao PT e de sua qualificação (sem experiência como juiz ou titulação de mestre e doutor)

Gilmar Mendes se envolveu em recente polêmica com Lula

Indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique, foi protagonista de escândalo com Lula ao afirmar que o ex-presidente teria sugerido adiamento do julgamento do mensalão. Em 2008, quando era presidente do STF, revogou a prisão do banqueiro Daniel Dantas

Joaquim Barbosa deve ocupar a presidência da Corte

Vice-Presidente do Supremo, ele é o primeiro negro indicado para a Corte e será o próximo presidente. É o relator do processo do mensalão e seu voto tem mais de mil páginas. Será o primeiro a ler a decisão. Votou pela constitucionalidade da Ficha Limpa

Luiz Fux votou pela validade da Ficha Limpa neste ano

Indicado pela presidente Dilma Rousseff, desempatou o julgamento que decidiu que a Ficha Limpa não poderia impedir candidaturas ficha-suja em 2010. Neste ano, quando foi o relator de outros três processos, votou pela validade da lei a partir de 2012

Marco Aurélio Mello votou a favor de Suzane Richthofen

Indicado pelo ex-presidente Collor, é conhecido por votos e decisões polêmicas, em 2007, por exemplo, foi o único a votar pela concessão de relaxamento da prisão preventiva de Suzane Von Richthofen, condenada pelo assassinato dos seus pais

Ricardo Lewandowski passou seis meses revisando caso

Revisor do processo do mensalão, liberou parecer no fim de junho, após seis meses com o caso em mãos. Cobranças para que liberasse o parecer geraram mal-estar entre ministros. Será o segundo a ler o voto. Indicado por Lula

Rosa Weber é a ministra que foi nomeada recentemente

Indicada por Dilma em 2011, deu votos decisivos em dois julgamentos relevantes: constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e manutenção dos poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Fonte: Diário do Nordeste