“Não podemos permitir que a vitória da cidadania se transforme em esperteza do poder público”. A afirmação foi do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, ao comentar os anúncios feitos por alguns tribunais de Justiça e governadores estaduais, de que irão suspender o pagamento das dívidas em precatórios até que seja publicado o acórdão com a decisão do Supremo Tribunal Federal. No dia 14 de março, o STF concluiu o julgamento da Adin 4357 da OAB e considerou inconstitucional a Emenda 62/09, mais conhecida como Emenda do Calote das dívidas judiciais por parte do poder público, os precatórios.

Marcus Vinicius conduziu, em reunião que se estendeu até tarde da noite desta segunda-feira (25), as discussões com presidentes e representantes das Comissões de Precatórios das 27 Seccionais da OAB, na qual repudiaram a ameaça de suspensão dos pagamentos já previstos e alertaram governadores, prefeitos e presidentes de Tribunais para as consequências previstas em lei em caso do não cumprimento de suas funções constitucionais e o prosseguimento dos depósitos dos precatórios, uma vez que a Emenda 62 ainda está em vigor. Segundo dados do CNJ, existem cerca de R$ 98 bilhões em precatórios a serem pagos em todo o país.

Na reunião, a OAB decidiu que vai requerer ao Conselho Nacional da Justiça (CNJ) que oriente os tribunais a manterem as estruturas dos Departamentos de Precatórios que foram criadas e que esteja vigilante com relação aos que se omitirem na continuidade dos pagamentos. “Se o Estado já possuía recursos para pagar precatórios com base em 1,5% de sua receita, como determinava a Emenda 62, tem que continuar pagando. O que o STF disse foi ‘pague tudo’, nunca disse ‘não se pague nada’”, afirmou o vice-presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia. “Não se pode permitir que ocorra um vácuo nos pagamentos sob pena de a decisão do STF perder seu sentido”, afirmou o advogado Flávio de Souza Brando, da Comissão de Precatórios da OAB paulista.

Outra recomendação feita na reunião aos presidentes de Seccionais é a de que entrem com contato com os dirigentes dos Tribunais de Justiça de cada Estado para que busquem um diagnóstico urgente sobre os valores devidos em precatórios e as atuais estruturas e cronogramas de pagamento. Também devem ser criadas comissões estaduais em defesa do pagamento dos precatórios. Estas trabalharão em conjunto com a Comissão Nacional da OAB.

Entre as sugestões de pagamento que a OAB deverá propor, está a ideia da “federalização”, com o refinanciamento de precatórios estaduais e municipais pela União e a emissão de títulos de dívida de longo prazo pelos Estados e municípios, desde que garantidos pelo governo federal. Outra possibilidade debatida foi a atração do interesse de empresas financeiras e bancos para financiar o pagamento dos créditos de precatórios. Uma nova reunião foi agendada para o dia 9 de abril para o debate específico das sugestões que serão feitas pela OAB para facilitar o pagamento desses valores.

Começo, meio e fim

Na reunião, todos os dirigentes de Seccionais saudaram como uma “vitória da cidadania” a decisão do STF de derrubar a Emenda Constitucional 62/09, que previa prazo de até 15 anos para o pagamento dos precatórios. Para os representantes da OAB, além de declarar inconstitucional o parcelamento ad eternum, o Supremo fomentou na população o exercício da cidadania da sociedade em relação ao Estado.

“Os cidadãos vinham se limitando a litigar contra o Estado nas ações indenizatórias em relação aos tratamentos de saúde por não acreditar que um dia viriam a receber o seu crédito”, destacou o presidente da OAB do Ceará, Valdetário Monteiro. Para o dirigente, o trabalho da OAB foi essencial para criar na sociedade a ideia de que é possível demandar contra o Estado com a certeza de que o seu processo terá começo, meio e fim. “O acesso à Justiça existe não só como porta de entrada. Deve haver via de saída para a prestação jurisdicional.” Além de Valdetário, estiveram presentes os seguintes presidentes de Seccionais: Ibaneis Rocha (Distrito Federal); Júlio Cesar Souza Rodrigues (Mato Grosso do Sul); Carlos Augusto Monteiro Nascimento (Sergipe); e Epitácio Brandão Lopes (Tocantins).

Ainda na avaliação dos presidentes das Seccionais, a decisão do STF também foi importante sob dois outros aspectos: por ter declarado ilegal a compensação unilateral automática obrigatória, sob o fundamento de que não deve existir uma regra de mão única, exclusivamente em favor da Fazenda; e a garantia de preferência no pagamento dos créditos a idosos a partir dos 60 anos de idade, que devem ser considerados privilegiados não só não só na data em que o precatório foi inscrito, mas também no momento presente.