Paulo Maria de Aragão (*)

As homenagens iméritas não se confundem com as meritórias, por um dever de justiça e reconhecimento histórico. Ao que parece, o círculo vicioso do vaivém de honrarias é um investimento que, em tese, compensa. Mantida a moda, no futuro, serão ignorados nossos vultos, preteridos por “ilustres” cidadãos vivos. Bajulados e bajuladores mantêm, entre si, a mesma relação de codependência: aqueles, narcisistas; estes, arrivistas.

Além disso, censurável é que recursos do erário sirvam de patrocínio às manifestações distantes da lei, pelas quais os convivas alternam-se em elogios e palmas. Converte-se, assim, numa flagrante ilegalidade homenagear pessoas vivas, em que pese a merecida láurea, em tributo ao princípio constitucional da impessoalidade.

José de Alencar, à época, encarou a política do servilismo ante a fecundidade de títulos nobiliárquicos outorgados no Segundo Império. A propósito, criticou o tropeiro João Ramalho, distinguido com o título de Barão do Saí, ao dizer que este preferiu o título de barão ao de tropeiro. Por quê? Porque, segundo o nosso romancista maior, barão era um título que tinha o valor de brasão, enquanto o de tropeiro simbolizava o trabalho e a perseverança, tendo por marca a divisa da probidade.

O afago aos poderosos vem de longe: “nesta terra, em se plantando, tudo dá”. Consoante Vianna Moog, o conhecido escrito de Caminha, missivista oficial da frota, não passou de incenso ao seu amo e senhor, o Rei D. Manuel. Ao afirmar que o desembarque do escrivão deu-se, apenas, para assistir à Primeira Missa, como teria, então, ciência de tão boas novas a Sua Majestade?

A máquina coercitiva de propaganda chega até a produzir carpideiras coletivas, subjugadas pelo medo. Exemplo emblemático viu-se na morte do ditador norte-coreano Kim Jong-il, o “Líder Supremo”, cenas de histeria coletiva, de choro convulsivo e de desmaios tomaram conta das praças de Pyongyang, impostas por seu filho e sucessor. A tentativa de convencer os milhões de telespectadores e internautas desse dó não passou de um ditame teatral.

Aliás, o tema deve ser visto pelo viés jurídico e não político, quando se tende a privilegiar pessoas in vita, em atenção ao citado princípio da impessoalidade, segundo o qual a administração se move pelo interesse público e não por interesses pessoais. Talvez, sejamos o único país onde uma lei “pega ou não pega”, pouco importando o respeito aos princípios constitucionais.

Em recente julgamento, a 5ª Turma do TRF (Tribunal Regional Federal) manteve decisão de primeira instância ocorrida em 2006, quanto à ilegalidade de colocar nome de pessoas vivas em prédios públicos. O caso versou sobre homenagem feita a um Senador da República, em exercício, atribuírem seu nome ao prédio do TRT/MA.

Vê-se, pois, que – além do critério moral comum – o ordenamento jurídico veda homenagens dessa natureza, porém os cortesãos são incansáveis nesse modo de afagar o ego de seus endeusados, muitos já amargurando uma decadência melancólica. Até quando ousarão afrontar a lei?

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.