Por Paulo Maria de Aragão*

Na obra do Criador, os animais são nossos “irmãos inferiores”. Por certo, não é incomum que o homem use como sobrenome termos designantes de bichos, incluindo-se o de insetos.

Mas, com o sobrenome de cão, só se tem notícia do descobridor do Congo, em 1484, Diogo Cão; seria discriminação contra o maior amigo dos mortais, dignificado por Victor Hugo como “a virtude que, não podendo fazer-se homem, se fez animal”?

Humanistas, em todo tempo, lhe dispensaram afeto e respeito, como nesta feliz comparação: “Se recolheres um cão semimorto de fome e lhe deres novo alento, ele não te morderá. Eis a principal diferença entre o cão e o homem” (Mark Twain). Isso nem sempre ocorre entre humanos. A história pontilha-se de heroicas narrativas, seja como vira-lata, seja como puro-sangue. Talvez seja uma ofensa à raça canina chamarem-se, a qualquer pretexto, de cachorro aqueles que representam o pior da nossa a sociedade.

Os cães falam outra língua e, quando se rendem por um osso ou um naco de carne, tornam-se fiéis a quem lhes deu. Não têm semelhança com os mamíferos bípedes que, pelo poder, matam, atraiçoam e, por qualquer vantagem, transacionam, naturalmente, a consciência. Não é fortuito dizer que mais vale um cachorro amigo do que um amigo infiel.

Histórias reais de cães comovem e os fazem merecedores do justo título de “o melhor amigo do homem”. No decorrer dos séculos, personagens ilustres dispensaram-lhes afeição, como os fabulistas Esopo e La Fontaine, o naturalista Charles Darwin e Walt Disney, produtor de fantásticos desenhos animados em que os bichos antropomorfizados ainda alegram todas as idades em todo o mundo.

Em “Vidas Secas”, Graciliano Ramos fala da família de retirantes, realçando a cadela Baleia, como a personagem mais “humana” da narrativa, ironicamente, solidária na caça com seus donos. O aclamado romancista reconhece a nobreza dos animais e, em particular, a do cão. Num realismo doloroso, traz-nos a cena do retirante Fabiano, que, em estado de desespero e sem alternativa, se obriga a abater a cachorrinha, sob suspeita de raiva. Aos primeiros tiros, Baleia – a altiva “leoa” e fiel amiga – agoniza ganindo e se esvaindo em sangue, sem saber o porquê do trágico desfecho.

Vale lembrar as lições de Cláudio Cavalcanti, ator e escritor, político, digno ser humano, sendo de sua autoria a lei que autoriza a Prefeitura do Rio a criar prontos-socorros veterinários gratuitos, normas proibitivas de rodeios, de instalação de criadouros e abatedouros de animais para a comercialização de peles. Devotou grande amor aos animais maltratados e foi de sua iniciativa coibir a exterminação dos abandonados como forma de controle populacional.

* Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.