por Vanilo Carvalho*

São Roque  nasceu em Montpellier, França, por volta de 1350, e falecido na mesma cidade em 1379, lutou pela justiça e pela paz e por isso sofreu violência física e moral, tendo desde muito cedo uma vida ascética e praticando a caridade para com os menos afortunados, ao atingir a maioridade, por volta dos 20 anos, resolveu distribuir todos os seus bens aos pobres, deixando uma pequena parte confiada ao tio. Contraiu a peste e teve que refugiar-se fora da cidade e só não morreu de fome porque foi encontrado por um cachorro lhe levava comida e assim salvou a sua vida. Com este amigo fiel, voltou a recuperar a saúde e a sua missão de paz.

São Roque é uma cidade localizada no interior de São Paulo, cidade de muito boa qualidade de vida, organizada e sede de várias empresas. Na data de 18 de outubro de 2013 um grupo de ativistas invadiram o Instituto Royal, tendo como motivação uma denúncia de maltratos de animais, nas experiências com cachorros da raça Beagle.

A empresa estava, pelo que se sabe, devidamente em conformidade com o que determina o poder público, com alvará de funcionamento em dia, e amparada por uma legislação que permitia estes tipos de experimentos com animais.

Os ativistas cometeram crimes, vez que invadiram propriedade privada, quebraram equipamentos e roubaram os cães.

De tal forma que, sob o ponto de vista da lei, a empresa estava “correta” e os defensores dos animais invasores “incorretos”.

Depois deste fato, amplamente divulgado pela imprensa, iniciou-se um processo de discussão do que até então não se falava.

Na mesma  semana, duas capas das principais revistas semanais, de circulação nacional, estamparam fotos de Beagles, e colocavam a situação em ampla reflexão, em todo país.

Quem não se sentiu comovido com as reportagens sobre o acontecido na televisão e nas revistas Veja e Época, no mesmo mês de outubro de 2013?

Quem não se lembrou do seu próprio cachorro? Ou do cachorro da sua infância? Ou o do seu filho?

A comoção popular veio e com ela o questionamento da norma que disciplina a situação.

O processo de reflexão ética instaurou-se. A Ética, em uma determinada definição é o agir, antes de agir, para melhor agir.

Repetiu-se a história, no sentido de que, geralmente, para que se tenha uma mudança da norma, na adequação ao processo social, na concomitância temporal com mentalidade da coletividade, é preciso uma reação ao já estabelecido, ao já determinado, inclusive, legalmente.

Tendo aqui como objeto o processo de reflexão sobre uma norma posta, e não sobre  quem está certo ou errado no caso dos Beagles, surge o questionamento se algum dia poderemos, nós como sociedade, como fruto da razão que deve ser alicerçada na ética, mudarmos o ordenamento legal, sem a real necessidade de violarmos o então vigente, afim de evitarmos rompimentos bruscos e sofrimentos desnecessários.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sancionou no dia 23 de janeiro do corrente ano, a lei que proíbe a utilização de animais no desenvolvimento de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal.  O Projeto de Lei surgiu após a libertação de 178 beagles e coelhos do Instituto Royal, em São Roque, no mês de outubro de 2013.

Na União Europeia os testes em animais para cosméticos são proibidos desde 2009, e a comercialização de produtos testados é proibida desde março de 2013. Em feiras de produtos, a não-utilização de animais em pesquisas é um marketing positivo, na verdade os grandes deste setor não mais utilizam animais para testes, visto que tiveram que se adequar ao mercado europeu, estes últimos como consumidores de produtos.

Em muito breve veremos este novo teor legislativo como Lei Federal, o que vem como resultado do processo que acima analisamos.

O que nos parece normal, muitas vezes, traduz-se no comodismo. A inquietação é própria dos homens que lutam pela ética e pela contínua transformação social, onde a regra, a norma, o direito não devem ser sinônimo do poder de um grupo, mas de justiça, e justiça só é justiça quando atinge a todos.

O caso dos Beagles pode servir de analogia para tantas situações que encontramos em nossa sociedade. Sofrimento alheio, nem o nosso, nunca é aceitável. Opção pela ignorância da realidade fora de nossos muros é ausência de reflexão ética que pressupõe a própria essência da natureza humana, racional e gregária.

Vanilo Carvalho é diretor acadêmico da Fesac, advogado e professor de Direito.