Sudão_CartaO advogado cearense Rafael Barreto Souza (OAB-CE 23.893) é um dos cinco integrantes da Delegação de Advogados Brasileiros do Intercâmbio Jurídico 2013 ao Sudão, que pedem, em carta aberta, o repúdio do Governo Brasileiro à República do Sudão, pela condenação à morte de Meriam Yehya Ibrahim, mulher cristã grávida de oito meses, que atualmente se encontra presa e acorrentada à parede de sua cela aguardando sua execução.

Segundo o advogado, a condenação à morte de Ibrahim é devida à discriminação religiosa. “O crime que lhe é imputado seria apostasia, ou seja, a rejeição à fé islâmica”, afirma Souza.  O advogado explica que a mulher foi criada e se reconhece como cristã, não tendo havido a troca de religião. “A decisão é ilegal dentro do ordenamento sudanês e atentatória os direitos humanos”, defende. Veja a seguir a íntegra da Carta Aberta.

Carta Aberta da Delegação de Advogados Brasileiros do Intercâmbio Jurídico 2013 ao Sudão

Nós, advogados membros da Delegação enviada à República do Sudão, África, em novembro de 2013, para o programa de intercâmbio jurídico oportunizado pelo Conselho Federal da OAB, vimos, por meio desta, manifestar o nosso absoluto repúdio à sentença proferida contra a cidadã sudanesa Meriam Yehya Ibrahim, 27 anos, grávida de sete meses, a qual foi condenada à pena de 100 chibatadas pelo suposto crime de adultério, após casar-se com um homem cristão, e à pena de morte por enforcamento, devido à suposta renúncia ao Islã. Ibrahim é filha de pai mulçumano e mãe cristã, seu marido, com quem já tem um filho, estando grávida do seu segundo, é cristão. Estes são fatos noticiados internacional e nacionalmente.

Embora seja um país islâmico, ao visitarmos o Sudão, verificamos que sua Constituição de 2005 determina, no art. 1º, que o Sudão é um “país democrático, decentralizado, multicultural, multilinguístico, multirracial, multiétnico e multirreligioso”, e que garante o gozo de direitos religiosos em seu art. 6º. Ademais, o país ratificou numerosos tratados internacionais de direitos humanos que vedam a discriminação religiosa e o racismo.

Em nossa visita, tivemos a oportunidade de estudar o sistema jurídico sudanês e conhecer diversas instituições, tribunais, cortes superiores, associações e empresas e, inclusive, a catedral cristã de Cartum. Pudemos ainda conhecer muitos sudaneses e sudanesas, advogados e juízes, que não compartilham de tal entendimento ou práticas discriminatórias. Temos segurança em afirmar que a sentença proferida pelo Poder Judiciário sudanês é ilegal e está em desacordo com a vontade do povo sudanês.

O Brasil, como um país laico, democrático onde a liberdade religiosa é garantida, não pode se omitir diante de tão grave caso. Por isso, enquanto cidadãos brasileiros, advogados e, principalmente, seres humanos não podemos silenciar diante desta atroz violação de direitos humanos, em que se pune a religião cristã com enforcamento.

Já há denúncias das Nações Unidas, da Anistia Internacional e dos governos do Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, mas ainda nenhuma manifestação do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Em que pese a relação diplomática amistosa com o Sudão, o Governo Brasileiro precisa se manifestar e repudiar pública e diplomaticamente a condenação de Meriam Yehya Ibrahim à morte.

Instamos também o Brasil a observar sua Constituição Federal de 1988 e conduzir suas relações internacionais com base na prevalência dos direitos humanos e no repúdio ao racismo. Assim, solicitamos um posicionamento formal de repúdio por parte do Governo Brasileiro, por meio das instituições competentes, a fim de se agregar força à pressão internacional para reverter esta condenação. Frise-se, mais do que uma questão religiosa e cultural é uma questão humanitária que precisa ser internacionalmente reprovada. Não há fronteiras para esta atuação.

Atenciosamente,

José Ricardo dos Santos

Luz Jr. – OAB/SP 222.555

Lucas Mendes Teixeira

OAB/MG 128.235

Olivia Alves Barbosa

OAB/SP 335.719

Maria Ticiana Campos de

Araújo – OAB/PR 29.793

Rafael Barreto Souza

OAB/CE 23.893