por Paulo Maria Aragão*

A propaganda política é capaz de transformar governantes em semideuses, quiçá em deuses. Por essa e outras, nos tempos de Saddam Hussein, a televisão iraquiana anunciava que iria mostrá-lo na Lua, à qual chegaria em nome de Alá. A difusão da notícia, por mais inventiva que parecesse, levou ao delírio inúmeros iraquianos. Na data hipotética da aparição, ficaram de olhos atentos, na certeza de ver seu idolatrado presidente destronando São Jorge. O insólito episódio demonstra como o inculto é útil aos manipuladores do poder.

Igualmente, na Argentina, país de alta escolaridade, Juán Perón mistificou e mesmerizou argentinos, feriu a constituição, fazendo prevalecer a sua vontade. O dia escolar se iniciava com um cântico em seu louvor, e parte do tempo reservava-se ao estudo de sua vida. Ao fim de oito anos, um milhão de jovens argentinos não discriminavam entre Deus e o caudilho; principiava a divinização de Perón. Evita, a bela ajudante, deu o tom: “Só há um Perón… Ele é um deus para nós… Nosso sol, nosso ar, nossa vida”. Um de seus ministros o equiparou a Cristo, Maomé e Buda como “o fundador de uma grande doutrina religiosa”.

A máquina publicitária difundia notícias do governo, discursos e cobria a nação, diariamente, com propaganda para realçar a prosperidade e o progresso de “el pueblo”. Ao mesmo tempo, empreendia-se uma campanha para canonizar Evita. Em outubro de 1951, ela foi apresentada a uma multidão peronista como “Nossa Senhora da Esperança”, e o próprio Perón proclamou um novo feriado: o “Dia de Santa Evita”. Após sua morte em 1952, a neurose deliberada se ampliou: um porta-voz, falando da sacada do palácio, dirigiu-se a ela como “Mãe nossa que estais no Céu”.

No contexto nacional, semelhante situação é vivenciada por Lula e sua discípula. Não se lhe negue a popularidade e o poder de persuasão, sabe-se que o antigo presidente é um exímio comunicador de massas, nem se lhe retirem os méritos, mas é excessivo chamá-lo de maior gênio da política nacional em todos os tempos.

Com efeito, parte da mística que envolve o antigo presidente advém de milionárias campanhas publicitárias. Foi noticiado por Giambiagi e Schwartsman, em sua recente obra “Complacência”, um fato curioso e pouco conhecido segundo o qual o programa bolsa-família teve sua origem no governo de FHC.

À época, o avô do programa (PBF) foi batizado com o impalatável nome de “IDH-14”, o qual, por razões óbvias, nunca chegou a decolar junto à opinião pública. Algum gênio do marketing, por certo, aconselhou o antigo presidente a fazer o rebatismo.

Na esteira, seguindo as lições de seu mestre, nossa atual presidente, no ano de 2013, despendeu a fábula de R$ 2,3 bilhões em publicidade, batendo o recorde de seu antecessor que atingiu a cifra de R$ 2,2 bilhões no exercício de 2009 (Folha de São Paulo 16.04.14).

Não se deseja aqui desabonar os avanços sociais experimentados nos últimos anos, mas ilustrar como o uso da propaganda pode fazer verdadeiros gols de placa. Daí é preciso muito cuidado na hora do voto: gato é diferente de lebre. Sabe-se da existência de hábeis comerciantes que são capazes de vender geladeiras para esquimós.

* Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).