por Paulo Maria de Aragão*

O relevo se despe de árvores, com rochas a nu, abrasadas pelo sol. De alto a baixo, inexistem as frondosas sombras, sem contrastes e sem variedade; espécies frutíferas e lenhosas foram abatidas pelas motosserras, afugentando animais. O cenário desola, e o consumo da madeira supera o crescimento das novas florestas. A quantidade de matéria lígnea retirada das matas é inferior à demanda do mercado.

Não apenas a flora, mas também a fauna padece por causa dos predadores obstinados. O poder destrutivo abusa, maltrata, fere e mutila animais silvestres, domésticos ou domesticados. Apesar do direito à proteção, o estilingue é assestado; a pedra atirada tomba o pequeno pássaro, para  alegra da garotada, porque não esclarecida na família e na escola. Este tipo de ”lazer revela uma forma de banalizar a violência.
O homem educa-se a partir da infância com o fim de se integrar à sociedade, de acordo com o pensamento aristotélico – o animal político. No processo dinâmico, causas e efeitos se confundem, à medida que fazer e desejar o melhor fomenta ódios e incompatibilidades. Não respeita nem é respeitado, não se educa nem se insere como cidadão, a despeito do que afirma Kant: “O homem é a única criatura que precisa ser educada […] o homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação faz dele” (Kant, 1996, p. 11 e 15).
Em busca de riqueza, age incônscio e sem escrúpulos, esquecendo que a natureza é o fundamento da própria existência. Nessa trilha, talvez lhe reste um triste crepúsculo como aspiração e saudade no recôndito da alma. No entanto, ainda há tempo para ouvir o canto do sanhaçus, dos bem-te-vis, dos galos-de-campina, dos sabiás e dos beija-flores que alegram o alvorecer das metrópoles. Entre o concreto e o asfalto, vê-se medrar a trepadeira ruderal a seduzir essas criaturinhas, instando-as a adornar seus ramos e folhas. A ruidosa “selva” transforma-se em novos “habitats” naturais para os benfazejos inquilinos que pagam seus espaços com o lúdico e mavioso gorjeio.

O amanhecer é um concerto colossal e, se algum dia encerrado, o sabiá não se apagará da lembrança nem dos versos imortalizados pelo poeta Gonçalves Dias: “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá/ (…) Não permita Deus que eu morra/ (…) Sem que ainda aviste as palmeiras/ Onde canta o sabiá”. Por igual, cantou Casimiro de Abreu, saudoso da pátria: “Eu nasci além dos mares/ Os meus lares/ Meus amores ficam lá./ Onde canta nos retiros/ Seus suspiros/ Suspiros, oh! Sabiá”.

Ao contrário do que se pensa, nem todos os humanos se alegram com os sons melodiosos dessas dádivas celestes e chegam a enxotá-las em protesto contra o canto lindo de um sabiá – semelhante à sonoridade da flauta, como se tocada no despertar da alvorada. Que não se extingam os sabiás e outras aves, vítimas da crueldade, vendidos nas feiras e estradas, amontoados em minúsculas gaiolas, que, em pânico, batem as asas contra as grades, resistindo e procurando liberdade. Os feridos, por inúteis aos predadores, são descartados e morrem após longa agonia.

No mundo do irracional, o diálogo é mantido por meio das armas, e não se antevê amanhã promissor. As gerações futuras terão a oportunidade de condenar, pelo menos, o processo de destruição de ecossistemas que porventura ainda existirão? As atitudes inconsequentes, como tudo na vida, têm um custo, e a fatura não tarda. Moral da história: “Os que não pensam no dia de amanhã pagam sempre um alto preço por sua imprevidência”.

(*) Paulo Maria de Aragão é advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).