leandropor Leandro Vasques*

Cheque em branco para que os promotores investiguem da maneira que bem (ou mal) entendam

No último dia 14 de maio, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade de o Ministério Público realizar investigações de natureza penal, com determinadas reservas. Trata-se da manifestação do mais elevado tribunal do país sobre um tema que há tempos é objeto de discussões no âmbito acadêmico e jurisprudencial. A decisão da Corte Suprema se deu pelo acirrado placar de 7 votos a 4. Por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, quando profundos debates foram travados ao longo dos trabalhos legislativos, diversas tentativas de atribuir poder investigativo ao Ministério Público, por meio de emendas propostas ao texto inicial da Constituição, foram sistematicamente rejeitadas, o que revela o ânimo do legislador originário de limitar a investigação às polícias judiciárias.

Mais recentemente, a Proposta de Emenda Constitucional 37, alcunhada pelos defensores da atribuição investigativa do Ministério Público como “PEC da Impunidade”, foi rejeitada pela Câmara dos Deputados. A PEC 37, que objetivava conferir poder investigativo apenas às polícias judiciárias, constituiria, em verdade, apenas um reforço à verdadeira inteligência do texto constitucional, que em momento algum empresta aos promotores de justiça a autoridade investigatória. O Tribunal Constitucional do país reconheceu o poder de investigação do Ministério Público. No entanto, ainda que insistamos na inconstitucionalidade absoluta de tal modalidade de apuração criminal, devemos esclarecer que essa decisão não representa um cheque em branco para que os promotores investiguem da maneira que bem (ou mal) entendam.

Vários limites foram estabelecidos, o que, de todo modo, servirá para aplacar eventuais excessos investigatórios ou abusos de poder. Em vez de basear-se apenas na resolução nº 13 do Conselho Nacional do Ministério Público, a investigação deverá orientar-se pelas balizas estabelecidas pelo STF: todos os atos devem ser documentados e autorizados por um juiz – sob pena de nulidade, inclusive a instauração do procedimento investigativo. A investigação em si deve transcorrer em prazo razoável. Ademais, devem ser sempre resguardados os direitos e garantias fundamentais dos investigados e as prerrogativas profissionais dos advogados. Assim, embora a investigação criminal, a nosso ver, devesse estar a cargo apenas das polícias judiciárias (civil e federal), o entendimento do STF, mais do que concentrar poderes nas mãos do Ministério Público, deve servir para limitar a atuação investigatória deste, o que certamente contribuirá para o bom funcionamento do estado democrático de direito.

Por fim, aquelas investigações que se encontram em colisão ou divórcio com o entendimento do STF, podem e devem ser questionadas perante o poder judiciário que pode, inclusive, decretar suas nulidades acaso se verifique a ultrapassagem das fronteiras estabelecidas pelo STF no tocante à possibilidade de investigação pelo Ministério Público.

Artigo publicado no jornal O Povo nesta quinta-feira (11).

*Leandro Vasques é advogado criminal, mestre em Direito pela UFPE e professor da pós graduação em Processo Penal da Unifor.

A opinião expressa no artigo é de responsabilidade exclusiva do autor e não representa a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará (OAB-CE).