Passou quase despercebida no meio jurídico-penal a promulgação da lei 13.434, 12 de abril de 2017, que acrescenta parágrafo único ao artigo 292 do Código de Processo Penal, prescrevendo a vedação do “uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato”.

Bem sei que, em meio aos níveis endêmicos de violência e criminalidade que assolam o País, rico caldo de cultura que alimenta o discurso irresponsável dos corifeus do ódio e da intolerância, tratar de direitos humanos é tarefa inglória. Direitos da pessoa encarcerada, então, tornaram-se pauta maldita. Poucos os que ousam fazer a sua defesa. Muitos, outrora defensores da causa, acovardaram-se e foram em busca de causas mais simpáticas aos olhos da população.

Ainda assim, não resisto. Dou a cara a tapa. E lá vou eu. Não quero discutir o acerto da inovação legislativa, por óbvia medida de viés humanitário, mas a ambiência social e política que a tornou necessária. Chegamos a um ponto de dessensibilização tal em que, a pretexto da tão decantada segurança, mulheres submetidas ao sistema prisional são algemadas por agentes públicos quando dos trabalhos de parto. Mulheres que cometeram crimes, que atentaram contra o patrimônio jurídico da sociedade e que estão pagando o caro preço de sua liberdade pelos crimes que cometeram. Sim, mas sempre mulheres.

Mulheres que devem ter respeitada a sua dignidade ontológica reconhecida na Constituição, que fez da dignidade da pessoa humana um dos princípios fundamentais do estado brasileiro. É dever legal e ético do estado velar pelos direitos da pessoa humana, tenha ela cometido crimes ou não. Pena que em pleno século XXI precisemos de lei para que uma mulher possa parir em paz. Sigo concordando com a poetisa goiana Cora Coralina num porvir em que “os homens imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros de um tempo superado”.

Hélio Leitão
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Advogado