Posse e domínio, dois sentimentos que podem muito bem sintetizar as relações de poder subjacentes à maioria dos casos de violências praticadas contra a mulher, no ambiente doméstico e fora dele, constituindo mais das vezes fatores que não só motivam como parecem querer legitimar essas práticas de todo inaceitáveis.

O comportamento machista que justifica e ampara tantos atos de violência praticados contra mulheres, encontra suas raízes ancestrais em uma sociedade patriarcal, patrimonialista e misógina, que tem na mulher sua expressão clássica de propriedade e submissão.

Precisamos nos reportar às construções culturais antigas relacionadas à identidade de gênero, orientação sexual e sexo biológico, estruturadas no entendimento clássico que remonta aos tempos da casa grande e senzala, para somente assim termos uma melhor compreensão do que vivenciamos ainda hoje.

Neste dia 07 de agosto, a Lei Maria da Penha completa 16 anos. Muitos ainda são os desafios no combate à violência contra a mulher no Brasil. O atendimento e a proteção precária oferecida pelo poder público às mulheres agredidas constituem fatores de promoção da impunidade e matriz de novas violências. A vítima precisa sentir-se de fato acolhida, protegida, não somente para denunciar como para sustentar esta denúncia. De outra forma não se terá a desejada justiça, com seus efeitos pedagógicos.

Faz-se necessário um verdadeiro debate que envolva homens e mulheres acerca da construção de uma história de igualdade não meramente legal, mas real. Para além da repressão, um trabalho de educação e formação de uma cultura de afirmação e respeito aos direitos femininos, reconhecendo-se o papel da mulher como agente de sua própria história.

Nossa legislação é considerada a terceira melhor do mundo, mas, paradoxalmente, o Brasil ainda é o 5º país com maior número de feminicídios.  Chocam os elevados índices nacionais de violências perpetradas contra as mulheres, tudo a demandar intervenções públicas e a adoção de políticas de estado que torne realidade os fins preconizados pela Lei Maria da Penha.

A linguagem violenta nas relações interpessoais não se modifica sem mudanças de percepção dos atores envolvidos. Nesse sentido, propomos uma nova abordagem de enfrentamento e prevenção da violência doméstica: o trabalho com os homens.

É imprescindível para a aplicação efetiva da Lei que os diversos mecanismos de proteção e defesa dos direitos das mulheres atuem de forma conjunta, integrada, articulando-se uma verdadeira rede de enfrentamento à violência. Esta pressupõe ação e responsabilidade intersetorial e atuação em equipes multidisciplinares compostas por profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde para promover a orientação e o cuidado das pessoas afetadas.

A violência contra a mulher, tornada endêmica, há de ser inscrita na agenda pública brasileira, prioritariamente, por um imperativo civilizatório.

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal Diário do Nordeste.

Christiane Leitão, vice-presidente da OAB Ceará.