Já imaginou passar décadas "brigando" na Justiça, ter ganho de causa e mesmo assim não receber o pagamento da ação? No Estado, esta situação parece rotina. É o que apresenta o Relatório da Corregedoria do Tribunal Superior do Trabalho (TST), cujos dados são sobre a morosidade da Justiça Trabalhista: o Ceará é o 2º lugar no ranking nacional de congestionamento (85,1%), perdendo apenas para a Bahia (85,8%).
 
 
O estudo foi coordenado pelo juiz Marcos Fava, que participou de um grupo formado, no ano passado, pela Corregedoria do TST para estudar a demora das execuções. A assessoria de imprensa do Tribunal Superior explica que o estudo foi realizado, pois tamanha era "a quantidade vultosa de processos sem o devido desfecho o que tem preocupado juízes e tribunais trabalhistas, que estudam formas de reduzir o problema"
 
 
Espera
 
 
A assistente social Ivone Marques, 63, é uma destas que recebeu o "calote", ganhou e ainda não levou. Sua história é semelhante a de outros. Demitida do emprego em 1994, ela passou dois anos sem salário e entrou na Justiça na busca por ressarcimento financeiro e emocional. "Foram os piores meses da minha vida. Só não passei fome porque tinha minha família por perto", comenta. Há quatro anos, o processo de Ivone está em fase final de execução.
 
 
Na Justiça do Trabalho, em todo o País, mais de 2,3 milhões de processos já estão decididos, aguardando apenas que a parte vencedora tenha seu direito reconhecido. "A essência do processo é a fase de execução, pois, senão, fica uma situação de ganhou, mas não levou. A decisão não pode ser um anúncio de direito, tem que ser realidade", afirma o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, Carlos Alberto de Paula.
 
 
Segundo ele, a demora não é um problema restrito a determinadas regiões e ocorre em todo o País. Conforme dados do estudo do TST, há uma média nacional de 67,9% de congestionamento, que sobe para 72,7% quando são levados em conta os processos que foram enviados provisoriamente para o arquivo, ainda sem desfecho.
 
 
Ciente da precariedade da Justiça do Trabalho, o vice-presidente da Regional Nordeste da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrata), Harley Ximenes, comenta que, apesar de todos os mecanismos para pressionar os pagamentos das causas, a demora no cumprimento de cada fase processual causa desgaste no cliente e cria uma sensação de descrença.
 
 
"Temos causas de 2001 que só há pouco foram indenizadas. Temos muitos "calotes" precatórios. Para ele, a Justiça não acompanhou o crescimento econômico e as milhares de novas relações de emprego existentes. "Assim, corremos o risco de termos, cada vez mais, piores relações empregatícias".
 
 
Demora
 
 
67,9 por cento é a média nacional de congestionamentos e sobe para 72,7% computando-se os processos enviados provisoriamente para o arquivo.
 
 
O que eles pensam
 
 
Esperança de que o quadro mude
 
 
O estudo do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reforça as queixas que já fazemos há anos com a categoria na Associação dos Magistrados do Trabalho (Amatra), da 7ª Região. Os problemas com a Justiça do Trabalho são antigos, é algo histórico. 
 
 
O Ceará é um dos primeiros Estados a ter varas trabalhistas. Há décadas que temos as mesmas estruturas, a mesma precariedade, muito trabalho para pouco juiz realizar. Vemos esforços de todos os lados para garantir mais celeridade, mas tem sido algo difícil. Muitos dos meus amigos juízes, estão até doentes, cansados com a grande quantidade de trabalho. 
 
 
Na Capital são apenas 14 varas e outras 12 para o restante do Estado do Ceará, somando 26, menos da metade do que possui o nosso vizinho Pernambuco e apenas uma a mais do que tem a Paraíba. Como crescer, como proteger o trabalhador sem melhorias, mais tribunais, advogados e magistrados? Apesar disso, ainda somos uma das Justiças que mais trabalha, que menos atrasa cada etapa do processo. 
 
 
Germano Siqueira, presidente da Amatra
 
 
Estamos com muita expectativa que este cenário de morosidade e demora na execução fiscal dos processos esteja realmente perto do fim com a criação dessas novas 36 varas para o Estado do Ceará. Vamos fazer pressão para que o Projeto de Lei 4009/2008 seja apreciado o mais rápido possível pelos parlamentares. O Ceará tem crescido bastante o seu polo industrial e econômico. 
 
 
Quantas centenas de empregos vão se formar no Porto do Pecém com a refinaria? Temos cerca de 15 mil trabalhando no município, acreditamos que vá triplicar no próximo ano. A Justiça do Trabalho tem que acompanhar isso. Há que se ter estrutura e fiscalização para proteger os trabalhadores e dar mais retorno para a parcela significativa da população que conta com o judiciário.
 
 
Trabalhando com causas coletivas, faço dezenas de audiências por mês e em todas podemos perceber a demora nas decisões mesmo quando o processo está executado, pronto para ser pago ao cliente.
 
 
Harley Ximenes, vice-presidente da região nordeste da Abrata
 
 
PROJETO
 
 
Proposta de criação de 36 novas varas trabalhistas
 
 
Afirma que a Justiça do Trabalho é uma das mais eficazes. "Como contraponto, temos a segunda maior produtividade do Brasil e temos a quarta maior carga de trabalho conforme o Conselho Nacional de Justiça", comenta.
 
 
Lidando com o cotidiano dos que esperam respostas do Judiciário, a advogada trabalhista Ana Virginia Porto, tem clientes que aguardam indenização há mais de dez anos, tendo causa ganha, inclusive. Ela reclama que nem sempre os atendidos entendem a dinâmica judicial. 
 
 
"A relação com a clientela fica difícil, cria uma relação de descrença com a Justiça. Tenho casos de pacientes que sofreram danos no emprego que estão à espera de uma decisão para realizarem cirurgias e tratarem problemas graves de saúde. Estes não podem esperar, têm muita pressa", critica.
 
 
Fonte: Diário do Nordeste (Texto: Ivna Girão – Foto: Kid Júnior)