Franz Kafka, natural da cidade de Praga, capital da República Tcheca, é considerado um dos maiores escritores de ficção do eixo alemão. Kafka era formado em Direito e no início de sua trajetória profissional exerceu banca advocatícia.
Após sua morte Brod, seu melhor amigo, editou O Processo entendendo tratar-se de um romance coerente e, sendo assim, o publicou em 1925.
A obra inicia com a prisão de Joseph K., sem nenhuma explicação e de forma totalmente arbitrária:
“Não – retrucou o homem que estava junto à janela, deixando o seu livro sobre uma mesinha e pondo-se de pé. – você não pode sair está detido”. Logo em seguida, o oficial, que veio comunicar sua detenção, o impede de sair do quarto. Diante dessa situação, Joseph indaga: “por que estou detido?” . A resposta que escuta é simplesmente injusta: “Não me cabe explicar isso.”
À luz do Direito pátrio tais acontecimentos são recriminados. Leciona o artigo 282 do Código de Processo Penal: “À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita de autoridade competente”.
Coadunando com tal pensamento, preceitua a Carta Magna de 1988: “O preso será informado de seus direitos […]” (Artigo 5º, LXIII) e um dos direitos que assiste aos presos é o direito de saber do que está sendo acusado.
Na leitura da obra percebe-se uma crítica de Kafka ao sistema processual da época. E, para nossa surpresa, ele já se queixava da morosidade dos processos: “E quão demorados são os processos deste tipo, especialmente nos últimos tempos!”. Faz-se mister relatar que essa passagem percorre o ano de 1920. A confusão jurídica da detenção de Joseph não para por aqui. Alguns trechos adiante, lemos Joseph clamar por respostas: “Que espécie de homens eram estes? De que estavam falando? A que Departamento oficial pertenciam? Quem eram aqueles que se atreviam a invadir sua casa?” . E ainda continua perguntando: “Mas, como posso estar detido? E desta maneira? Teriam de responder – retrucou K. – Aqui estão os meus documentos de identidade; mostrem-me vocês os seus, e, especialmente, a ordem de prisão”.
Se estivéssemos sob a égide da Lei brasileira, tais perguntas jamais poderiam pairar no campo das dúvidas. Nossa Carta Maior preconiza: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”.
A insistência de Joseph K. em querer saber do que estar sendo acusado é algo predominante na obra de Kafka. Tanto que criou-se o estilo kafkiano de ser processado. Ser processado kafkianamente é ser totalmente tolhido de qualquer preceito jurídico possível e conhecido.
No andamento do processo de Joseph K. comenta: “De modo que os expedientes da Justiça e, especialmente, o escrito de acusação eram inacessíveis para o acusado e o seu defensor, o que fazia com que não se soubesse em geral ou ao menos com precisão a quem devia se dirigir a demanda”.
Ora, nós advogados possuímos direitos de vistoriar os processos, é assim que nos presta guarida o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 6o.
A obra O PROCESSO de Franz Kafka é recomendada para os amantes da literatura e os estudiosos e vigilantes do Direito com Justiça.
(Na obra extrai-se várias outras aberrações jurídicas, que por questão de espaço foram suprimidas neste artigo).

Artigo do advogado Roberto Victor, publicado no Jornal O Estado, 31/maio/2012.