A violência tem se aproximado cada vez mais das nossas casas. Imaginando sobreviver a ela, permitimos as cercas elétricas, os arames farpados sobre os muros, os sistemas policialescos de vigilância comunitária e tantas outras maquiagens congêneres de suposta calmaria. Os “culpados”, em regime de segregação, foram colocados em masmorras fétidas, convivendo com o que há de pior em infraestrutura e alimento, verdadeiros celeiros de revoltados, sejam jovens ou adultos.

A ausência de pronto atendimento médico à população foi lentamente empurrando os “incluídos”

para a saúde privada, tornando a exceção do atendimento com “plano de saúde” na panacéia dos assalariados, agora “livres e distanciados” das quilométricas filas de consultas e das remarcações dos exames nunca realizados.

A educação pública, quase falida, alimentou de igual modo o crescimento do ensino privado, criando uma total inversão da lógica do crescimento coletivo sustentável, onde educar e bem formar seriam a base do nosso Brasil futuro.

Os transportes coletivos foram aos poucos sendo esquecidos em prol do sonho do veículo novo. São tantos financiamentos, refinanciamentos e facilidades que chegamos a pensar que cada indivíduo colocaria, ao mesmo tempo, seu carro ou sua moto nas vias públicas. O metrô, na maioria das capitais do Brasil, passou a ser promessa certa em véspera de campanha, às vezes, por três, quatro eleições seguidas.

Mostra-se claro que o crescimento e a “melhoria salarial” implicaram na exigência por maiores investimentos com segurança, educação, saúde e mobilidade urbana, em simultâneo a uma carga tributária crescente sobre a remuneração e o processo produtivo.

Toda a poeira varrida por anos para debaixo do tapete vermelho do poder público vem ao ar na forma de revolta e manifestação por tudo aquilo que negávamos ver, mas ali estava diante de nossos olhos. Agora, acordados e revoltados, percebemos que pagamos em dobro, com salários e tributos, por algo que não recebemos completamente nem do público nem do privado.

Jamais poderemos negar a importância das presentes manifestações como um sonoro alarme para acordarmos do longo sono em berço esplêndido.

Valdetário Andrade Monteiro, presidente da OAB Ceará