O vice-presidentes da OAB-CE, Ricardo Bacelar, pediu uma “atenção diferenciada” por parte do Conselho Nacional de Justiça-CNJ para os Estados do Nordeste, na implementação das estratégias para tornar a Justiça mais célere e acessível. A reivindicação foi apresentada durante o pronunciamento que coube à OAB-CE, na Audiência Pública Eficiência do 1º Grau de Jurisdição e Aperfeiçoamento Legislativo Voltado ao Poder Judiciário, realizada nesta segunda e terça feiras (17 e 18), em Brasília.

“Entre as regiões e os diversos estados brasileiros há uma disparidade de estruturas administrativas e de dotações orçamentárias que transformam a porta de entrada da justiça em grandes contingentes de esperanças perdidas”, afirmou o vice-presidente em seu discurso de 15 minutos. Para em seguida argumentar: “São os estados mais pobres, com mais dificuldades, com menos estrutura, com uma pior distribuição de renda, com maiores índices de violência e menor qualidade de educação e desenvolvimento humano”.

Bacelar integrou o bloco II da audiência que teve como tema Aperfeiçoamento Legislativo Voltado ao Poder Judiciário. Em relação às propostas de atos normativos visando à equalização da força de trabalho entre primeiro e segundo graus, adequações orçamentárias e outras disposições que redimensionam o funcionamento do aparelho judicial, votou a defender que tais medidas sejam priorizadas respeitando as regiões de baixo índice de acesso à justiça, maior taxa de congestionamento e onde há menos orçamento, juízes, servidores e estrutura administrativa.

Tratando especificamente da “desjudicalização” da execução fiscal, Bacelar argumentou que esta pode ser uma saída para desafogar a justiça e para proporcionar mais eficiência na arrecadação dos valores do fisco. A audiência reuniu o pensamento de 60 representantes dos poderes do Estado, de municípios, Estados e da União, e da sociedade civil, incluindo o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho. Os trabalhos foram conduzidos pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.

Veja na íntegra o pronunciamento da OAB CE na audiência pública do Conselho Nacional de Justiça proferido em 18 de fevereiro de 2014, através de seu Vice Presidente, Ricardo Bacelar Paiva.

Senhoras e senhores.

Bom dia.

É com muita satisfação e dever de responsabilidade que a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Ceará, comparece a esta importante audiência pública. De logo, parabenizamos a iniciativa do CNJ, que através da conjugação de seus esforços e da Portaria 155/2013, instituiu o Grupo de Trabalho que dá andamento aos estudos da Política Nacional de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição.

O Relatório Justiça em Números de 2013 trouxe a lume o alarmante dado: 90% (noventa por cento) dos processos judiciais concentram-se no acervo do primeiro grau de jurisdição.

Essa distorção sistêmica é que norteia as providências institucionais deste Conselho traduzidas nas propostas constantes do relatório final do Grupo de Trabalho.

Após o advento da revolução tecnológica e das inúmeras possibilidades de aferição da realidade por meio de dados, compartilham-se decisões relevantes, não somente em bases teóricas, mas em leituras numéricas que corrigem os rumos estratégicos, fenômeno mundial que se concretiza pela interpretação do Big Data.

A OAB do Ceará, por sua diretoria: o Presidente Valdetário Andrade Monteiro, este orador que ocupa a Vice Presidência, Jardson Cruz na Secretaria Geral, Roberta Vasquez na Secretaria Adjunta e Marcelo Mota na Tesouraria convivemos, sob o viés institucional, com a porção da máquina judiciária que apresenta mais dificuldades: a justiça da região nordeste.

Ampliando a ótica da análise para o Norte e Nordeste do Brasil, as duas regiões revelam os piores indicadores de acesso à justiça do País.

Em recente estudo capitaneado pelo Ministério da Justiça em parceria com a Universidade de Brasília, compilado no Atlas de Acesso à Justiça, o Norte e o Nordeste representam índice igual à metade do acesso à justiça do Sudeste e do Centro Oeste.

De acordo com o Índice Nacional de Acesso à Justiça – INAJ, outro indicador oficial, a diferença entre o estado da federação que tem melhor colocação e o estado com a pior colocação é de quase 1000% (mil por cento).

O Brasil, país de dimensões continentais, possui pluralidade cultural magnífica, não obstante a má distribuição de renda. A grita pela reforma política reverbera nos quatro cantos ante a crise de representatividade.

A disparidade do Índice de Desenvolvimento Humano e a carência de educação de qualidade no País são demandas sociais que ainda trazem reflexos profundos no desenvolvimento. Constituem, sobretudo, entraves para o alcance de índices satisfatórios de funcionamento da justiça.

Elevadas taxas de congestionamento e baixa produtividade do Judiciário nas regiões mais pobres do País são a síntese dessas premissas.

Senhor Presidente,

Partindo dessas observações e examinando as propostas do relatório final apresentado pelo Grupo de Trabalho, verificamos as seguintes diretrizes: vincular a priorização do primeiro grau de jurisdição como estratégia permanente, resoluções sobre distribuição de força de trabalho e orçamento nos órgãos do Poder Judiciário, criação de Unidades Avançadas de Atendimento como forma de redução gradativa da competência delegada, trabalho voluntário no Judiciário, implementação da Prática Jurídica Acadêmica e a “desjudicialização” da execução fiscal.

Em relação às propostas de atos normativos visando a equalização da força de trabalho entre primeiro e segundo graus, adequações orçamentárias e outras disposições que redimensionam o funcionamento do aparelho judicial, medidas da maior importância, acreditamos que devam ser organizadas e priorizadas respeitando as regiões de baixo índice de acesso à justiça, maior taxa de congestionamento e onde há menos orçamento, juízes, servidores e estrutura administrativa.

Trata-se da antiga premissa Aristotélica, corolário do princípio da igualdade: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

A justiça brasileira funciona em universo muito heterogêneo, com múltiplas variáveis que afetam o seu funcionamento. Entre as regiões e os diversos estados brasileiros há uma disparidade de estruturas administrativas e de dotações orçamentárias que transformam a porta de entrada da justiça em grandes contingentes de esperanças perdidas.

São os estados mais pobres, com mais dificuldades, com menos estrutura, com uma pior distribuição de renda, com maiores índices de violência e menor qualidade de educação e desenvolvimento humano.

Esses locais clamam por uma justiça mais célere. Portanto,  carecem de uma atenção diferenciada na implementação das estratégias.

São vidas marcadas por circunstâncias adversas. Vidas que não conseguem acesso à jurisdição para reaver sua dignidade. Vidas muitas vezes ceifadas pelo destino e sepultadas quando o Estado-Juiz não responde ao seu chamado. Vidas cujas vozes gritam e choram pela pouca justiça que lhes é distribuída!

Senhoras e senhores,

Considerando a importância das diretrizes traçadas por esta Casa e discutidas nesta audiência pública, a primeira da história do Conselho Nacional de Justiça, a OAB do Ceará, que atua no Nordeste do Brasil e convive, de sol a sol, com as agruras de uma região carente de desenvolvimento, defende que as metas e os planos encetados por este Conselho, para a reestruturação do primeiro grau de jurisdição elejam, como fator de prioridade, as desigualdades regionais.

Há critérios objetivos, pesquisas, estudos, números que apontam muitos patamares de diferenças gradativas na performance do aparelho judiciário e no acesso à justiça no Brasil.

A dose do remédio a ser administrado para aplacar as mazelas há de ser prescrita conforme a maior necessidade.

Em resumo, uma fórmula única para combater situações com realidades distintas poderia ser utilizada em dosimetria específica, albergando mais recursos para os locais onde mais se precisa e com metas diferenciadas destinadas às regiões onde o jurisdicionado mais necessita.

A regra também vale para o planejamento de instalação das Unidades Avançadas de Atendimento da Justiça Federal.

São algumas considerações que julgamos pertinentes em relação ao tema já abordado no Bloco I dos trabalhos.

Sobre o tema deste Bloco II, senhoras e senhores, a “desjudicialização” das execuções fiscais é medida que implica grande impacto no acervo de processos do judiciário brasileiro. Destacamos alguns questionamentos.

Após a implementação de alguns modelos europeus, em que a execução de dívidas faz-se por meio de uma estrutura administrativa apartada do poder judiciário, observa-se a proliferação desta sistemática em alguns países. O modelo francês é paradigma, consoante defende a Magistrada Daniela Reetz de Paiva em seu artigo “A Desjudicialização dos Atos Executórios”.

Cumpre destacar o trâmite dos projetos de lei nº 2.412/2007 e de nº 5.080/2009 que tratam sobre a matéria.

De fato, a possibilidade de se deslocar parte de um terço de todo o conjunto de processos em curso na justiça brasileira, que são as execuções fiscais, desenha uma paisagem de esperança para a desobstrução da justiça.

A cautela, ao nosso sentir, reside nos eventuais abusos das fazendas públicas, acaso sejam elas mesmas as responsáveis pelos processos administrativos, nas formas preconizadas dos projetos de lei em andamento.

É estrutura diversa de alguns modelos europeus em que há outros agentes administrativos incumbidos de realizar as execuções, mormente o modelo francês com a figura dos huissiers de justice, que são profissionais liberais e auxiliares da justiça.

São, de fato, superpoderes que, uma vez conferidos ao Executivo,  possibilitariam o acesso a cadastros de bens diferenciados e a hipótese de expropriação pela via administrativa.

A super-receita torna-se mais autônoma em um país de elevadíssima carga tributária, onde o apetite voraz de arrecadar faz parte da cultura político-administrativa. Mesmo com elevados tributos, a contraprestação do Estado não satisfaz direitos mais básicos.

Não obstante os aspectos atinentes ao fisco, desobstruir a justiça é medida saudável para o organismo judicante. Deslocar os procedimentos preparatórios da execução, entregando apenas o litígio ao Judiciário, é uma excelente providência.

A edição da lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, possibilitou a realização de separação e divórcio consensuais, em certos casos, pelos cartórios, configurando importante medida de desobstrução das varas de família.

Outros temas de jurisdição voluntária também podem ser deslocados dos sistemas judiciários, como as matérias de registros públicos e outros.

Senhoras e senhores, conselheiros do CNJ,

Com a “desjudicalização” da execução fiscal e sua organização em outras estruturas, a eficiência da arrecadação dos valores do fisco em dívida ativa tende a ter um incremento considerável.

A medida poderia até, salvo alguma ingenuidade, aplacar as elevações dos tributos. Quando há uma melhoria expressiva na receita, surge a possibilidade de estruturação de índices mais baixos de arrecadação tributária, com uma política fiscal mais eficaz, trazendo um alento à economia brasileira, tornando-a mais competitiva em esfera internacional.

Por fim, são de grande relevância as providências formuladas e o esforço há de ter a colaboração das instituições que atuam diretamente no sistema de justiça.

Outros assuntos urgentes necessitam tratamento em reuniões similares: a vedação de cessão de servidores municipais para aturarem nas secretarias das varas, comprometendo a autonomia dos juízes; o aumento do mandato dos Presidentes de Tribunais de dois para três anos, tempo hábil para que possam realizar intervenções mais efetivas na organização judiciária; o fim do sistema de pagamento de precatórios na forma atual; a incorporação da Justiça Militar pela Justiça Federal; a criminalização das ofensas às prerrogativas profissionais dos advogados e outros temas de relevo.

Agradecemos às senhoras e senhores a oportunidade, cumprimentando-os cordialmente, invocando, para finalizar esta oração, o adágio de Rui Barbosa:

“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. (…) Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório”.

Obrigado.